Ataques em escolas: especialista alerta para discurso machista como estimulador

Ataques em escolas: especialista alerta para discurso machista como estimulador
Especialista cobra políticas públicas para prevenir violência nas escolas Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Ela também chama a atenção para os prejuízos psicológicos provocados pelo bullying em crianças e adolescentes

O Tempo     Por Matheus Oliveira

 

ataque nessa segunda-feira (17 de junho) a dois alunos da Escola Municipal Governador Carlos Lacerda, no bairro Ipiranga, região Nordeste de Belo Horizonte, reforça uma estatística comum a esse tipo de crime: geralmente, os autores são homens e adolescentes. Esse é o perfil predominante apontado em levantamento do Instituto Sou da Paz que engloba casos semelhantes no país nos últimos 12 meses. Para especialista ouvida por O TEMPO, o discurso machista, além do bullying, ajuda a explicar a estatística.

Todos os seis ataques compilados pelo instituto no período foram cometidos por homens. Cinco deles foram praticados por menores, de 14, 15, 16 (dois casos) e 17 anos, e apenas um por adulto (21 anos). O caso de BH teve como autor um adolescente de 13 anos com Transtorno do Espectro Autista.

Para a psicóloga e doutora em neurociências Angela Mathylde Soares, o fato de homens serem os autores mais frequentes desses ataques pode estar associado a cobranças típicas de uma cultura machista. "O homem é ensinado a ser mais protetor e ouve coisas como 'você é homem e chora? Você é homem e não deu um coro no menino?'. É exigido do homem que ele tome uma posição", afirma. "É um discurso machista que atravessa gerações e gerações e sempre se está dizendo 'homem não chora, homem é isso, homem é aquilo'. E essa não é a realidade", completa a especialista.

Ela também alerta para os prejuízos psicológicos provocados pelo bullying em crianças e adolescentes, em especial nos neurodivergentes. "As crianças atípicas têm baixa tolerância à frustração, um limite pequeno com situações adversas, como o bullying. Elas trabalham em cima da concretude: se chamar de 'feio', entendem, de fato, que é feio; se chamar de 'bonito', é bonito."

Angela destaca a necessidade de haver ações governamentais para prevenir a violência na escola. "Políticas públicas bem incrementadas na hora certa dá o retorno necessário. Mas são necessárias políticas públicas bem fundamentadas, é preciso da ciência para dar uma solução. Se ficar só 'apagando incêndio', certamente diminuirá, mas não eliminará o problema."

O TEMPO questionou o Governo de Minas e a Prefeitura de Belo Horizonte sobre quais políticas públicas voltadas para o tema estão em andamento no Estado e na capital. Nenhuma resposta foi enviada. O governo federal elencou as ações do Ministério da Educação (veja ao fim da reportagem).

Agressões a professores

Além dos ataques de estudantes contra os próprios colegas, profissionais da educação também encaram um cenário de insegurança. Em Belo Horizonte, o sindicato da categoria acusa a Secretaria Municipal de Educação de esconder casos de violência contra trabalhadores nas instituições de ensino. "Temos um crescente número de agressões, tanto por parte de alunos, com ou sem deficiência, como por parte de alguns pais. Infelizmente, não existe uma política eficaz da prefeitura para tratar desse problema", critica Thiago Ribeiro, um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH).

"O profissional se sente totalmente desamparado. A Secretaria Municipal de Educação vem com o papel de colocar panos quentes para os casos não serem tão publicizados, mas, infelizmente, eles acontecem constantemente. Temos vários casos de agressões, tanto contra professores como contra profissionais que acompanham crianças com deficiência. Essas agressões partem de diversos atores", relata o sindicalista.

A Secretaria Municipal de Educação de BH também não se pronunciou sobre as afirmações do Sind-Rede/BH.

Canal de denúncias

Em abril do ano passado, o governo federal lançou, neste site, um canal exclusivo para denúncias de ameaças e ataques contra escolas. As informações podem ser enviadas de forma anônima e são mantidas sob sigilo. O TEMPO pediu ao Ministério da Justiça e Segurança Pública um balanço sobre o que resultou do canal nesses 14 meses de operação, mas a pasta afirmou que não divulga estatísticas referentes ao serviço, "a fim de assegurar a eficácia de outras medidas que serão realizadas posteriormente em investigações policiais em andamento nos estados".

Ministério da Educação

Questionado por O TEMPO, o governo federal afirma que colocou em prática uma série de políticas públicas relacionadas ao problema. Leia a íntegra da nota:

Desde abril de 2023, o Ministério da educação (MEC) desenvolve um conjunto de ações relacionados ao enfrentamento da violência nas escolas:
 
1 – Criação do Grupo de Trabalho Interministerial: em 2023, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial de Prevenção e Enfrentamento à Violência nas Escolas, por meio do Decreto nº 11.469, de 5 de abril de 2023, com vistas a produzir relatório com recomendações para a criação de um Política Nacional de Enfrentamento à violência nas Escolas. O GTI concluiu os trabalhos em outubro de 2023 e o relatório foi finalizado, a ser entregue ao Palácio do Planalto.
 
2 – Produção de Cartilha de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar, disponibilizada às redes de ensino, em formato digital.
 
3 – Oferta de Curso de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar, por meio do AVAMEC, contou com a participação de 8 mil cursistas.
 
4 – Foram produzidos e disponibilizados os "Diálogos formativos", no YouTube do MEC.
 
5 – Foram antecipados R$ 3,1 bilhões no PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) e PAR (Plano de Ações Articuladas) para que as escolas e redes pudessem tomar suas decisões sobre ações que desejavam financiar (Resolução FNDE Nº 6, de 4 de maio de 2023).
 
6 – Em julho de 2023, o MEC realizou o I Seminário Internacional sobre Segurança no Ambiente Escolar, que contou com a participação de cientistas, pesquisadores e gestores nacionais e internacionais para debater o tema. 
 
7 – SNAVE - Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas:

Marcos Legais

Lei Nº 14.643, de 2 de agosto de 2023;
Decreto Nº 12.006, de 24 de abril de 2024.

Objetivo: ampliar a capacidade de as escolas promoverem ações de prevenção e resposta à violência em ambiente educacional.

De 2024 a 2027, no âmbito do MEC, serão investidos 23 milhões de reais na Implementação do SNAVE (Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas).
 
A definição dos Eixos do SNAVE baseou-se nas conclusões do Grupo de Trabalho Interministerial, do Grupo de Trabalho de Especialistas, do Fórum de Segurança Pública, da oitiva com representações da sociedade civil e, principalmente, da comunidade escolar (gestores, estudantes e estudantes).
 
Neste caso, considerou a importância do investimento em formação, criação de protocolos e redes de apoio para a comunidade escolar, e não apenas de equipamentos de segurança.
 
Eixos do SNAVE no âmbito do MEC

  • Formação: Justiça Restaurativa, Cultura de Paz nas Escolas
     
  • Dados, Monitoramento e Comunicação
     
  • Protocolo, Diretrizes e Planos
     
  • Núcleo de Resposta e Recomposição da Comunidade Escolar
     
  • Valorização, Reconhecimento de Práticas Exitosas 

 
8 – Criação da Coordenação-geral de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas: fará a coordenação das ações previstas no SNAVE, dentre outras.