Proibição é a melhor alternativa? Especialistas debatem impactos do uso de celular na escola

Proibição é a melhor alternativa? Especialistas debatem impactos do uso de celular na escola
No Colégio dos Jesuítas, os estudantes podem portar seus aparelhos celulares, mas o uso, em sala de aula, somente com intencionalidade e como recurso pedagógico de pesquisa (Foto: Felipe Couri)
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Profissionais da área da educação ouvidos pela Tribuna, defendem estratégias para regulamentação e educação midiática no currículo escolar

Tribuna   Por Nayara Zanetti

 

O debate sobre o uso de celulares no ambiente escolar no Brasil e suas consequências tem se intensificado desde o fim da pandemia. No mês passado, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que tem desenvolvido um projeto de lei que deve instituir a proibição dos aparelhos nas instituições de ensino públicas e privadas do país. A medida está prevista para ser apresentada em outubro junto a outras propostas, com o objetivo de conter os prejuízos do uso excessivo de telas na infância e na adolescência.

Segundo a pesquisa TIC Educação 2023 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o uso de celulares em sala de aula já é proibido em 28% das escolas brasileiras. No entanto, a ação divide opiniões de estudantes, pais e profissionais que atuam na área da educação. 

A Tribuna conversou com duas especialistas sobre os problemas envolvendo o uso da tecnologia nas escolas, assim como as vantagens do instrumento quando usado para fins educacionais e as possíveis alternativas para lidar de forma consciente com a questão. Para a psicóloga Roseane Mendonça, a solução não está necessariamente na proibição. Segundo ela, banir pode gerar ansiedade nos adolescentes, que lidam com a necessidade de se sentirem conectados constantemente às suas redes sociais, além de não ensinar aos jovens como usar a tecnologia de forma equilibrada e responsável. A psicóloga ainda alerta para o fato de que os adolescentes são bons em elaborar estratégias para “burlar” as proibições, o chamado contra-controle na psicologia comportamental. 

“O ideal é estabelecer estratégias para regulação e o uso consciente da tecnologia. Mas, sabemos que estas estratégias são mais trabalhosas do que as proibições e restrições e demandam intencionalidade e monitoramento. Pais e escolas precisam trabalhar em conjunto para estabelecer limites claros e promover o uso saudável de celulares e outras tecnologias”, diz a especialista. 

Roseane atuou por mais de 10 anos como psicóloga escolar e enxerga alguns benefícios significativos proporcionados pelo uso saudável e adequado da tecnologia, como o acesso rápido a informações e o uso de recursos para organização – como aplicativos de agendas. A psicóloga acredita que o acesso gradual e o uso controlado dos dispositivos pode ajudar também no processo de amadurecimento das crianças e adolescentes. “Contudo, para atingir este potencial, é importante que eles sejam estimulados e supervisionados nessa aquisição de competências. Os adultos precisam ajudá-los e monitorá-los para que estes aprendam a fazer uso dos recursos, guiando no excesso de informações e a ter senso crítico para um uso saudável e adequado das tecnologias. Outra questão importante é que os adultos – famílias e educadores – sejam modelos para o uso das tecnologias, a chamada tecnorreferência.” 

Pesquisa aponta prejuízos causados pelo uso excessivo de celular 

Por outro lado, Roseane também destaca que o uso excessivo e sem monitoria de celulares pode prejudicar o foco e a capacidade de concentração dos estudantes. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2022, oito em cada 10 alunos brasileiros de 15 anos disseram que se distraem com o uso de celulares nas aulas. A pandemia de Covid-19 acelerou o aparecimento de impactos negativos do uso de telas, já que houve a necessidade da adoção do ensino remoto e esse se tornou o principal meio de interação social. De acordo com a psicóloga, o tempo excessivo de tela pode impactar negativamente o desenvolvimento cognitivo por reduzir o tempo dedicado à leitura, estudo e reflexão crítica, bem como o tempo de sono. 

“Além disso, há preocupações quanto ao impacto nas habilidades sociais, já que muitos adolescentes tendem a substituir interações presenciais por contatos virtuais. Do ponto de vista do neurodesenvolvimento, os adolescentes ainda estão em processo de maturação cerebral, especialmente nas áreas ligadas ao controle inibitório e ao planejamento, como o córtex pré-frontal. A exposição prolongada às telas pode comprometer esse desenvolvimento, criando dificuldades no autocontrole e na gestão de tempo e tarefas, além de aumentar o risco de problemas de atenção”, alerta a profissional. 

‘Danos são muito maiores do que eventuais ganhos’ 

Há 14 anos, a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Cristiane Brasileiro trabalha como coordenadora do programa de formação continuada de professores de escolas públicas e particulares do nível básico da Fundação Cecierj e acompanha diretamente as discussões sobre o tema. Além da experiência profissional, Cristiane também é mãe de um adolescente de 13 anos, e acredita que a tentativa de manter a escola como um ambiente favorável a um tipo de atenção e concentração – raro nos dias atuais, devido ao excesso de estímulos rápidos e viciantes causados pelas tecnologias – é muito válida, e a proibição dos celulares pode colaborar para alcançar esse estágio. 

“É possível pensar em atividades pedagógicas interessantes e válidas em sala de aula que incluíssem eventualmente o uso do celular. No entanto, acredito que os danos de estimular ou naturalizar o uso regular do aparelho nas escolas são muito maiores do que os eventuais ganhos que isso possa gerar. E, a partir da permissão para que os celulares fiquem normalmente em sala de aula, a dificuldade de controlar isso pelos professores é absoluta e o impacto que isso tem sobre o nível de atenção das crianças em sala de aula é muito desastroso”, aponta a professora.  

Especialista defende educação midiática como parte do currículo escolar 

Para tornar a relação entre jovens e celulares mais saudável, a principal alternativa é a educação. A psicóloga defende que a educação midiática deve ser parte do currículo escolar, ensinando os alunos a gerenciar seu tempo de tela, a reconhecer os riscos do uso excessivo e a aproveitar a tecnologia de forma saudável e positiva. Para isso, as escolas e as famílias precisam estar em diálogo e implementar ações parecidas. Uma sugestão da especialista é trabalhar a conscientização dos malefícios que o uso irrestrito de dispositivos pode causar. 

“O ideal seria uma abordagem mista, onde o uso do celular é restrito em sala de aula para evitar distrações, mas permitido em outros momentos, com supervisão e orientação para o uso consciente. Além disso, as famílias devem atuar nesta mesma prática em casa, estabelecendo horários e limites para o uso de dispositivos, criando um ambiente saudável e equilibrado tanto no contexto educacional quanto familiar. Uma boa estratégia é o uso de aplicativos e outros dispositivos de controle parental”, ela orienta. 

No Colégio dos Jesuítas, os estudantes podem portar seus aparelhos celulares, mas o uso, em sala de aula, somente com intencionalidade e como recurso pedagógico de pesquisa. “Seria um retrocesso negar o uso do celular dentro dos espaços do colégio. Somos favoráveis ao uso pedagógico, mas não como um distrator. O colégio mantém um aplicativo para uso de estudantes e da famílias, informando atividades extraclasse”, conta o diretor acadêmico Welerson Mazzo Spada.