PEC que acaba com aborto legal no Brasil avança na Câmara com aval de relatora
Texto proíbe os abortos previstos em lei: em caso de estupro, quando há risco de morte para a gestante e com má-formação do cérebro
O Tempo Por Renato Alves
BRASÍLIA - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com o aborto em casos previstos em lei avançou nesta quarta-feira (13) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Conforme a legislação em vigor, o aborto é permitido no Brasil em três situações: quando a gravidez resulta de estupro, quando há risco de morte para a gestante e em caso de má-formação do cérebro, a anencefalia fetal.
A PEC em tramitação na Câmara acaba com esses direitos e criminaliza todo tipo de aborto. A relatora da proposta, deputada Chris Tonietto (PL-RJ), leu seu parecer pela admissibilidade do texto.
“Não se vislumbram quaisquer incompatibilidades entre a alteração que se pretende realizar e os demais princípios e regras fundamentais que alicerçam a Constituição vigente e nosso ordenamento jurídico”, afirmou.
Logo após Tonietto, que também é vice-presidente da CCJ, fazer a leitura do seu parecer, a votação da PEC foi suspensa por pedido de vista (mais tempo para a análise de um tema) apresentado por vários deputados.
Confira abaixo os próximos passos:
- O prazo de adiamento é de duas sessões. Portanto, a votação deve ocorrer na próxima semana.
- O colegiado só avalia se a proposta está de acordo com a Constituição e as leis brasileiras.
- Se aprovada, a PEC passará por uma comissão especial formada por deputados.
- Por fim, só irá a votação no plenário se for pautada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Texto original é de Eduardo Cunha
A PEC foi apresentada em 2012 pelos então deputados federais Eduardo Cunha (Republicanos-RJ). Seus apoiadores chamam o projeto de PEC da Vida. Já quem é contra o classifica como PEC do Estuprador.
O projeto prevê a inclusão da frase “desde a concepção” no dispositivo que trata dos direitos e das garantias fundamentais dos cidadãos na Constituição, e prevê a “inviolabilidade do direito à vida”.
A Constituição já garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, mas não há definição do momento em que esse direito começa a vigorar.
Pelo texto de Eduardo Cunha, a PEC em discussão na CCJ da Câmara determina que esse direito vale a partir da concepção do feto, e não do nascimento do bebê.
A proposta tem apoio da ala mais conservadora da Câmara, que inclui os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No início deste ano, os mesmos parlamentares promoveram um projeto de lei que equiparava o aborto feito após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, estabelecendo penas de seis a 20 anos de prisão para a mulher que fizesse tal procedimento.
A Câmara acelerou a tramitação desse projeto de lei no plenário em uma votação que durou cinco segundos. Após fortes críticas de movimentos populares e de organizações da sociedade civil, Arthur Lira, decidiu, em junho, criar uma comissão representativa para discutir o projeto e afirmou que essa proposição ficaria para o segundo semestre do ano. Até então, essa comissão não teve nenhum avanço.
Deputadas governistas reagem
Na sessão da CCJ desta quarta-feira, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou que todas as pesquisas de opinião mostram que o brasileiro apoia as possibilidades de aborto legal.
“Estabelecer a vida desde a concepção impede o aborto legal, em casos inclusive em que a mãe tenha risco de vida, e impede a interrupção pela violência sexual”, alertou a parlamentar.
“Eu entendo que tem alguns aqui que acham que criança pode ser mãe e estuprador pode ser pai, eu estou fora dessa. Criança não é mãe. A gente não pode permitir que o Parlamento brasileiro, às vésperas do G20, vote um absurdo desse”, criticou Jandira.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) argumentou que a medida, se aprovada, impedirá a fertilização in vitro, já que, para que o procedimento seja realizado, muitos embriões são descartados, como parte do processo. “A PEC proíbe que você descarte o óvulo fecundado, ao dizer que é preciso preservar a vida desde a concepção.”
Erika alertou ainda que a mudança também pode prejudicar pesquisas com células tronco. “Porque [as células tronco] também são embrionárias”, explicou.
Filha de Cunha defende proposta do pai
Filha do ex-deputado Eduardo Cunha, a deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ) rebateu a colega parlamentar e disse que a PEC não vai impedir fertilização in vitro nem congelamento de óvulos.
Segundo ela, a proposta vai definir que a vida começa após a concepção, que pode ser realizada por métodos científicos ou ser concebida naturalmente. “Uma vez que um método científico é realizado e bem sucedido, o feto passa a ser a concepção, cuja vida é válida.”
Eduardo Cunha foi deputado federal entre 2003 e 2016, quando teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara, em virtude de quebra de decoro parlamentar, considerando que ele mentiu à CPI da Petrobras ao negar, durante depoimento em março de 2015, ser titular de contas bancárias no exterior.
Cunha ficou inelegível por 8 anos a contar do final do mandato (que seria em 2018), sendo proibido de disputar cargos eletivos até o fim de 2026.
Alvo da Operação Lava Jato, Cunha foi condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em outubro de 2016 foi preso preventivamente pela Polícia Federal, sendo condenado em março de 2017 a 15 anos e quatro meses de prisão. Ao fim de março de 2020, teve a prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar em razão da pandemia de Covid, por estar no grupo de risco da doença. Em setembro de 2020, voltou a ser condenado na Lava Jato.
Em 29 de maio de 2023, o STF anulou a condenação de Cunha a 15 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro em um dos processos da Lava Jato. Os ministros aceitaram o argumento da defesa de que o processo deveria ter sido conduzido pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça Federal em Curitiba.
Cunha conseguiu de volta os direitos políticos. Em 2 de outubro de 2022, recebeu pelo PTB 5.044 votos para deputado federal por São Paulo, não sendo eleito.
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