Filme 'A Hora do Pesadelo' completa 40 anos como marco no cinema do terror

Filme 'A Hora do Pesadelo' completa 40 anos como marco no cinema do terror
Freddy Krueger apavora suas vítimas nos seus sonhos Foto: New Line/divulgação
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Entenda porque, quatro décadas depois de seu lançamento, filme tornou-se um clássico

O Tempo   Por Laura Maria

 

Não importa a idade, o gênero ou a condição social. Há um momento em que todos nós nos tornamos completamente vulneráveis: no sono. É preciso se entregar completamente a ele para ter uma vida saudável, já dizem os médicos.

Deitados na cama, dentro de casa, temos a sensação de segurança necessária para um descanso reparador. E, se somos tomados por um pesadelo, logo vem o alívio ao acordar e perceber que tudo não passou de um sonho ruim.

Mas existe alguém capaz de mudar essa lógica, a ponto de fazer qualquer um desejar manter-se desperto ininterruptamente, não importando o preço. Uma criatura que faz cinco minutinhos a mais na cama se tornarem a mais temível passagem de tempo.

É assim que se sentem as vítimas de Freddy Krueger, personagem icônico de “A Hora do Pesadelo” (“A Nightmare on Elm Street”, Wes Craven, 1984). Quatro décadas após ser lançada, a obra, que virou uma franquia de nove filmes, série, livro e até jogo, se tornou um clássico do cinema de horror, ultrapassando os limites da ficção

A caracterização e os efeitos especiais, próprios da época em que foram lançados, podem até ter perdido o poder de assustar quem assiste ao filme no momento presente, mas a ideia central da obra continua a ser angustiantemente nova.

“O medo que o filme retrata é quase primitivo, como o que sentimos ao dormir, pois nesse estado nos tornamos vulneráveis e esquecemos do mundo exterior. Essa sensação nos assola, e, por isso, o filme consegue ser tão assustador”, analisa o professor de cinema da UNA, José Ricardo da Costa Miranda Júnior, idealizador da mostra de filmes de terror “Estruturas do Medo: Giallo e Slasher”, exibida recentemente no Palácio das Artes.

Na trama, um grupo de adolescentes vive momentos aterrorizantes ao dormir, porque, em seus sonhos, Krueger os persegue, portando uma luva de couro, com facas nos lugares dos dedos. Acontece que, quando assassinados por ele durante o pesadelo, as vítimas morrem também na vida real.

Dessa forma, a única maneira de escapar é manter-se acordado. A privação do sono torna-se, assim, um dos pontos de maior tensão de “A Hora do Pesadelo”. É quase impossível assistir ao filme sem se imaginar quanto tempo duraríamos vivos se, para isso, dependêssemos de nos manter acordados – e aqui qualquer piscadela mais profunda conta.  

E não é mero acaso que Wes Craven (1939-2015), o aclamado diretor do longa, tenha escolhido justamente os jovens para serem os alvos de Freddy Krueger. “É típico da juventude, combativa, não se conformar com a realidade. Mas no filme ela é impedida de sonhar, por isso a obra leva para um lugar muito profundo, de desilusão com o futuro e morte da utopia. É um filme que fala de desesperança, porque sonhar deixa de ser possível”, aponta Miranda Júnior. 

A mistura entre realidade e sonho, em que este se sobrepõe ao primeiro, é outro elemento que torna a franquia “uma das mais importantes para o cinema, especialmente para o terror”, como explica a jornalista e crítica de cinema filiada à Abraccine, Kel Gomes.

“Os anos 80 viveram um boom de filmes de terror, especialmente do subgênero slasher [subgênero do terror, que geralmente envolve assassinos que matam aleatoriamente]. A originalidade da narrativa, que traz elementos surreais e sobrenaturais, é um dos destaques. Até então, a maioria dos filmes slashers populares se firmavam na aproximação com a realidade. No caso de ‘A Hora do Pesadelo’, o onírico é incorporado de maneira fluida e instigante”, analisa Kel, que também é uma das votantes do Globo de Ouro.

A especialista identifica ainda outros impactos da obra para o cinema. “As inovações, especialmente com efeitos especiais e práticos, elevaram os padrões para os filmes do gênero. Também podemos destacar a criatividade na maquiagem, nas cenas de morte e perseguição, nos cenários surreais dos pesadelos, nas transformações corporais grotescas e na apresentação de personagens femininas, especialmente a chamada final girl [última mulher viva para enfrentar o assassino], que rompe com alguns clichês”, enumera.

Potencialidades bem exploradas ou exaustão?


“A Hora do Pesadelo” se tornou uma franquia rentável, tanto é que foram produzidos outros oito filmes depois do original, sendo um crossover com Jason, de “Sexta-feira 13”, e um remake, lançado em 2010, mesmo com Wes Craven torcendo o nariz. Isso porque sempre foi do desejo dele que a franquia não continuasse – além do original, Craven dirigou apenas o último filme, “O Novo Pesadelo de Freddy Krueger”, lançado em 1966. 

Além das continuações, o filme inspirou a série “A Hora do Pesadelo – O Terror de Freddy Krueger”, exibida nos Estados Unidos entre os anos 1988 e 1990, e virou tema de livro. Freddy também se tornou um personagem jogável no game de luta Mortal Kombat, em 2011, além de já ter sido citado em muitas outras produções, tendo aparecido, até, em um gibi da “Turma da Mônica.” Diante disso, é plausível de se perguntar: o filme foi explorado à exaustão ou ele realmente tem força para carregar esse tipo de exploração? 

“É perceptível que, ao longo de todas essas produções, houve declínio criativo em filmes mais recentes. O desgaste do conceito original é muito difícil de ser vencido quando há essa exploração comercial tão intensa, em tantas mídias; a saturação mercadológica é uma consequência”, avalia a jornalista e crítica de cinema filiada à Abraccine, Kel Gomes. 

No entanto, ela pondera que “Freddy Krueger e a narrativa que mistura sonhos e realidade continuam sendo ricos em possibilidades de reinvenção, de reimaginação, de atualização com as questões contemporâneas e com as tecnologias agora disponíveis.”

O cineasta Vinicius Daza Rodrigues concorda com Kel, mas acredita que, sim, a franquia ainda tem potencialidade de continuar rendendo. “Eu acho que ainda cabe muito mais. Poderia existir, por exemplo, uma série que desenvolvesse um pouco mais os personagens do terceiro filme do terceiro filme, o “Dream Warriors”, que se passa em um hospital psiquiátrico. Nós vamos ter a série do Jason, feita pela A24, e seria muito bacana poder ver algo, em breve, do Freddy Krueger”, espera.