Minas Gerais tem o pior índice de médicos da região Sudeste

Minas Gerais tem o pior índice de médicos da região Sudeste
Levantamento mostra que o Estado tem apenas 2,91 médicos a cada mil pessoas Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
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Pelo menos 18 especialidades têm número de profissionais inferior a 100 no Estado

Por Aline Diniz, Gabriel Rezende e Tatiana Lagôa

 

Seis meses de espera e 12 kg a menos. Cibele Aparecida de Almeida, 39, sofre diariamente com um nódulo no pescoço. Desde que percebeu os sintomas, a auxiliar de serviços gerais tenta descobrir a causa do martírio. Mas nem mesmo o ultrassom ela conseguiu marcar pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A explicação é numérica: com 20,5 milhões de habitantes, Minas Gerais é o Estado do Sudeste com o pior índice de médicos por mil habitantes, segundo pesquisa divulgada pela Associação Médica Brasileira. Um levantamento que O TEMPO conseguiu com exclusividade junto à Secretaria de Estado de Saúde mostrou ainda que alguns profissionais, como broncoesofalogista, foniatra e hansenologista, inexistem no Estado com o maior número de cidades do país.

Os dois estudos se complementam. A pesquisa “Demografia Médica no Brasil 2023” mostrou que Minas Gerais tem 2,91 médicos a cada mil pessoas. No Espírito Santo, esse índice é de 3; em São Paulo, é de 3,5; e no Rio de Janeiro, o número chega a 3,77. Esse levantamento mostrou ainda que a situação é ainda mais difícil para quem vive longe dos grandes centros. Nas capitais brasileiras, a média de profissionais a cada mil pessoas é de 6,13. Nos interiores, passa a ser 1,84, índice três vezes menor.

Quando avaliado por especialidades, o quadro se torna mais crítico. Dados levantados pela SES-MG, via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, das 70 especialidades médicas listadas pela pasta, 18 contavam, em janeiro de 2024, com menos de cem profissionais especialistas do SUS para todo o Estado. O que no papel são apenas números, para Cibele representa uma pior qualidade de vida. Durante o período em que tenta um diagnóstico, o nódulo descoberto cresceu, e ela não consegue mais se alimentar corretamente. “O caroço está comprimindo as amígdalas. A dor é constante, a garganta dói, e sinto queimação no pescoço”, diz.

Mãe de dois adolescentes, de 14 e 15 anos, Cibele não conseguiu se afastar do trabalho: “Preciso pagar as contas, o aluguel”. Para além da condição física, a angústia se instaurou dentro da casa da mulher. “Eles (filhos) ficam assustados, só têm a mim. Eu sou a mãe e o pai deles”, completa. Cibele vai precisar se consultar com um endocrinologista, mas não faz ideia de quando vai conseguir, uma vez que o Estado tem apenas 997 especialistas da área atuando no SUS. Eles são demandados em tratamentos de doenças relativamente comuns, como hipotireoidismo e diabetes.

“Nós temos em Minas Gerais uma fila de 30 mil pessoas esperando uma consulta por oftalmologista. E isso inclui desde casos muito simples até situações que envolvem riscos para o paciente. A gente prioriza os atendimentos de urgência porque envolve risco de morte, mas, quando essa pessoa precisa de acompanhamento de algum especialista, ela fica dez anos esperando. Algumas não resistem”, afirma o coordenador de Vigilância em Saúde da Macrorregião Oeste, Alan Rodrigo da Silva.

Parte da solução passa por investimento, como explica o médico e ex-secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Jackson Machado: “A maioria dos especialistas não se interessa pela carreira pública, porque a remuneração é muito aquém daquela que eles recebem na rede particular. Isso é sério, porque não há como atrair mais profissionais sem conseguir oferecer a mesma remuneração”.

Falta de patologistas trava diagnósticos

O câncer é a principal causa de morte em 115 cidades mineiras, o equivalente a 17,5% do Estado. Em 2023, 80,85 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença em Minas, e 26,95 mil morreram pelo agravamento do câncer.

Mas a detecção do tipo de tumor para início do tratamento é um desafio em função da falta de estrutura diagnóstica. Um dos gargalos é a falta de profissionais especializados. Os dados são do levantamento Câncer Brasil feito pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, com dados do Instituto Nacional do Câncer e do Ministério da Saúde.

Quem faz a análise do material da biópsia para avaliação do tipo de tumor são os anatomopatologistas. Na rede do SUS em Minas existem 251 desses médicos. Eles precisam processar o material, colocá-lo em lâminas para depois, em um trabalho de observação por microscópios, gerar os laudos.

“É preciso, no mínimo, 48 horas até que se forme a lâmina. Depois têm outros procedimentos, como o uso de colorações que precisam de mais 48 horas. E tem uma fila a seguir. Estamos conseguindo liberar os resultados em dez dias, mas no SUS a espera chega a 70”, explica Pedro Neves, médico Patologista do Hermes Pardini e responsável técnico do serviço de Anatomia Patológica do Grupo Fleury em Minas. 

Para Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, o câncer precisa ser tratado com “senso de urgência” por meio da prevenção e do diagnóstico precoce. Um avanço nesse sentido seria investir na ponta, na qualificação dos agentes comunitários. “Eles estão dentro das casas das pessoas, conhecem a rotina e podem perceber sintomas, indícios (do câncer) e orientar o paciente”.

Cirurgias eletivas: 28 mil pacientes à espera em BH

Cerca de 28 mil pessoas aguardam por uma cirurgia eletiva em Belo Horizonte. A capital é referência para ao menos 500 cidades do Estado. Entre as especialidades com maior tempo de espera estão a otorrinolaringologia e a ortopedia, segundo o subsecretário de Atenção à Saúde da Prefeitura de BH, André Menezes.  

Sandra Helena Ferreira do Anjos, 63, aguarda há dez anos para realizar uma cirurgia na mão. O caso dela é complexo já que, no Estado, há só 99 médicos especialistas em cirurgias de mão atendendo na rede SUS, em janeiro deste ano. Ela sofre com a síndrome do túnel do carpo — uma compressão de um nervo do pulso. “Minha mão direita fica completamente inchada, e a dor piora à noite”, conta.

Sandra esbarra na dificuldade de fazer exames que precedem a cirurgia e, mesmo trabalhando como agente de saúde, não consegue avançar no tratamento. “Muitas vezes, vamos à casa do paciente informar que o exame foi autorizado, e ele já faleceu”, diz.

Segundo Menezes, em alguns casos, o paciente até consegue chegar a um especialista em um dos nove Centros de Especialidades Médicas (CEM) da cidade ou em uma das cinco Unidade de Referência Secundária (URS), mas não consegue marcar o exame. Ele exemplifica com casos de pacientes que se consultam com cardiologistas, mas demoram a fazer o ecocardiograma e têm o tratamento travado.

Para o médico e ex-secretário de Saúde de BH, Jackson Machado, a saída seria a descentralização da saúde. “Muitos dos procedimentos de maior complexidade são feitos apenas em Belo Horizonte. Prótese de quadril, por exemplo, se houver três municípios no Estado que fazem, é muito. Mas os procedimentos de menor complexidade, se conseguirmos descentralizar, evita esse fluxo de pessoas do interior que sobrecarrega a capital. É preciso fazer parcerias com hospitais”, diz.

A PBH tenta reduzir a espera por cirurgias eletivas tirando dinheiro dos próprios cofres ao pagar valores mais altos do que tabela do SUS. O intuito é atrair especialistas para a rede composta por 22 hospitais conveniados, além de dois próprios. A expectativa é que 2024 termine com 40 mil cirurgias realizadas.

Na rede de hospitais da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), um gargalo é a contratação de anestesiologista em função do aquecimento do mercado. Segundo o órgão, essa situação se agravou após a pandemia de Covid-19, em 2020. O profissional é imprescindível para a realização de procedimentos cirúrgicos diversos.

A SES-MG disse ter investido R$ 120 milhões de janeiro a maio de 2024, e a previsão é que, até o fim do ano, sejam repassados mais R$ 252 milhões aos municípios para equipar os hospitais e fortalecer a política Opera Mais. No primeiro trimestre de 2024, forma realizadas cerca de 190 mil cirurgias eletivas no Estado. O Ministério da Saúde foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos enviados.

Programa vai avançar em teleconsultas

A dificuldade para se conseguirem exames pode ser reduzida com o programa Mais Acesso a Especialistas, do governo federal. A ideia é garantir aos pacientes a resolutividade de toda a sua condição. “O projeto vai garantir que, para receber o valor financeiro, o prestador de serviço entregue toda a linha de cuidados do paciente desde a consulta aos exames”, explica o subsecretário de Atenção à Saúde da Prefeitura de BH, André Menezes. Há uma semana, BH fez o credenciamento junto ao Ministério da Saúde. A expectativa é que a iniciativa se torne realidade no município em setembro.

Para o coordenador de Vigilância em Saúde da Macrorregião Oeste, Alan Rodrigo da Silva, o projeto pode reduzir a pressão na rede. “Atualmente, a resolutividade na rede primária é de 50%. O ideal é chegar aos 70% para que só os casos que necessitem sejam encaminhados para especialistas. O modelo previsto no projeto do governo vai avançar nas teleconsultas porque, na unidade de saúde, o médico generalista vai acompanhar consultas online dos pacientes com um especialista, sem deslocamento. Os diagnósticos sairão mais rápido”, diz. 

Uma sorte que o motorista de aplicativo Everton Pablo, 36, morador de Contagem, na Grande BH, não teve. Ele aguarda, desde o início do ano, uma cirurgia para correção da retina do olho direito. A necessidade da intervenção foi descoberta por um exame, custeado por ele na rede privada, após enfrentar demora para realizar a análise na rede pública. 

“Disseram que poderia demorar até um ano. Eu não podia esperar”, diz Everton. Mas pagar pela cirurgia não é uma possibilidade. “É um valor exorbitante. A fila está gigante, e eu tenho que aguardar. Meu medo é perder a visão a qualquer momento. Aí não vai adiantar nada eu ter esperado esse tempo todo”, desabafa.