Com 65 anos e referência em arquitetura moderna, Brasília tem fazendas coloniais e até quilombo

Com 65 anos e referência em arquitetura moderna, Brasília tem fazendas coloniais e até quilombo
Sede da fazenda Gama: propriedade recebeu JK e comitiva na primeira visita do presidente à região onde seria construída Brasília

Fazendas serviam de pouso para tropeiros que viajavam entre o Sul e o Norte do país; ao menos sete casarões desse período ainda estão de pé

Por Renato Alves O Tempo

BRASÍLIA – Famosa mundialmente pela sua arquitetura moderna, Brasília, que foi inaugurada em 21 de abril de 1960, também tem edificações do período colonial. Alguns casarões centenários ainda estão de pé. Testemunhas de um período em que a região servia de passagem e paragem dos viajantes que cruzavam os caminhos de terra entre as regiões Sudeste e Norte do Brasil.

A maioria dessas construções fica na área rural, em fazendas que pertenciam ao território de Goiás, antes da desapropriação de terras para construção da nova capital do quadrilátero do Distrito Federal. Ao menos 10 estão de pé, conforme levantamento do historiador Wilson Vieira Júnior, que é doutor pela Universidade de Brasília (UnB) e um dos maiores especialistas em memória da capital.

“As fazendas eram núcleos de vida no campo, nelas reuniam as famílias e agregados”, observa Vieira Júnior. “Elas estavam relacionadas às provisões para abastecimento do núcleo de moradores. As terras eram frequentemente negociadas com intentos voltados para pasto do gado, retirada de madeiras. Era uma economia de abastecimento”, completa.

Essas construções foram erguidas com materiais encontrados na própria região. “Há casas do século 19 e construídas na primeira metade do 20, pois o saber construtivo com a utilização do barro sempre foi repassado e usado na região. O barro é um produto local, como a madeira e pedras, muito utilizadas no embasamento das casas”, explica Vieira Júnior.

“O Goiás no século 19 foi atrativo para pessoas vindas do Nordeste e Sudeste, pessoas com pouco poder aquisitivo em busca de terras para ocupar. As fazendas onde hoje está o Distrito Federal serviam como passagem para viajantes, muitos deles cientistas”, completa o historiador.

Casarão que recebeu JK em sua primeira visita à Brasília virou museu

A mais famosa dessas centenárias construções recebeu o presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) na primeira visita dele às terras onde seria erguida Brasília. JK esteve na Fazenda Gama com uma pequena comitiva em 2 de outubro de 1956. Ele voou do Rio de Janeiro ao Planalto Central em um Douglas da Força Aérea Brasileira (FAB).

O avião aterrissou no aeroporto Vera Cruz, que na verdade era uma mera pista de pouso aberta às pressas no meio do cerrado por ordem de Bernardo Sayão, então vice-governador de Goiás. Ele recebeu JK no campo de pouso, onde houve uma cerimônia durante a qual eles assinaram documentos e atos de nomeação.

Dali, a comitiva presidencial seguiu ao ponto mais alto da fazenda Bananal – atualmente, a Praça do Cruzeiro, onde houve a primeira missa de Brasília – e as terras da Fazenda Gama, a cerca de 40 quilômetros de distância. Na fazenda Gama seria construída a residência provisória de JK, o Palácio Catetinho, todo de madeira.

Os então governadores de Goiás, Juca Ludovico, e da Bahia, Antônio Balbino, entre outras autoridades, receberam a comitiva presidencial na fazenda. JK e o então deputado federal Israel Pinheiro caminharam até a nascente d’água, a uns 200 metros da casa. Ao retornarem do passeio, tomaram o café produzido na propriedade.

A bebida foi servida por Zenaide Barbosa dos Santos, ao lado de outras pessoas, que posaram para uma foto histórica. Ao fim do dia, JK e assessores voltaram ao Rio de Janeiro, deixando nas terras da fazenda Gama o marco simbólico da transferência da capital da República para o Planalto Central.

Com mais de 160 hectares, a fazenda pertencia a Agostinho de Almeida e Silva, herdeiro das famílias Roriz e Meireles, e foi uma das desapropriadas para dar origem ao Distrito Federal. Após ser toda restaurada a casa da fazenda foi transformada no Museu Casa Sede da Fazenda Gama.

A construção colonial típica dos séculos 18 e 19 fica dentro do Brasília Country Club. A estrutura é de madeira, com vedações em adobe, enquanto as telhas de barro foram feitas em estilo francês. Ela preserva alguns móveis originais, além de panelas, o moinho, uma torradeira de café, xícaras e canecas de esmalte, entre outros utensílios.

A Casa Velha abrigou a primeira rádio transmissora de Brasília, instalada pela Panair, em 28 de outubro de 1956, para comunicação com o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e para proteção de voos. O casarão serviu também como alojamento para equipes de técnicos, operários e outros profissionais que trabalhavam no campo de pouso. 

Já a cerca de 400 metros da casa fica o Catetinho, também transformado em museu. Ele foi erguido em 10 dias (entre 22 e 31 de outubro de 1956) para que a equipe do presidente e diretores da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) pudessem realizar suas reuniões enquanto Brasília estava em obras.

Todo em madeira, o prédio serviu como palácio de despachos, pois o presidente vinha em visitas diárias e retornava ao Rio de Janeiro no mesmo dia. Eventualmente pernoitava em Brasília. Pensado como provisório, acabou tombado como patrimônio histórico, servindo para preservar a memória da construção de Brasília.

Casarão expõe relíquias do tempo em que o DF era Goiás

Outro prédio histórico que virou museu é o casarão construído no século 19 por Afonso Coelho da Silva Campos em frente à praça principal do Setor Tradicional de Planaltina, a mais antiga cidade do Distrito Federal. O Museu Histórico e Artístico de Planaltina é o mais antigo da capital.

Inaugurado em abril de 1974 e Patrimônio Histórico Nacional desde 1987, ele exibe objetos da época em que Planaltina ainda era município de Goiás. Entre eles, máquinas, móveis e utensílios de cozinha, além de muitas fotografias. Destaque para o primeiro piano trazido para Goiás, que é de origem alemã e chegou em 1925.

A casa transformada em museu foi, por muito tempo, uma das maiores e mais confortáveis de Planaltina – era uma das poucas com água encanada, luz elétrica e telefone. Símbolo do poder dos seus primeiros moradores, o coronel Salviano Monteiro Guimarães, sua esposa Olívia Campos Guimarães e seus oito filhos. 

Quando Salviano e Olívia morreram, a casa passou como herança para a filha Maria América, que ali morou com seu marido e seus sete filhos até 1973, quando doou a residência ao Governo do Distrito Federal para a fundação do Museu Histórico e Artístico de Planaltina.

A intenção de Maria América era destinar o imóvel à preservação da memória de Planaltina, que se tornou um município goiano em 19 de agosto de 1859, mas já era habitada muito antes, com grandes fazendas de gado. Como homenagem, a praça em frente ao museu leva o nome do coronel Salviano Monteiro Guimarães.