MG registra crescimento de 63% no número de bebês internados por desnutrição em 10 anos
Sem comida no prato, mães dão à luz filhos sem nutrientes necessários para vida saudável
Por Gabriel Rezende, Isabela Abalen, Luana Queiroz e Tatiana Lagôa
O choro de um bebê de 1 ano denuncia um grave problema de saúde pública quando acontece onde faltam alimento, saneamento básico e rede de apoio. Os mais vulneráveis são aqueles forçados a experimentar o extremo da fome em uma luta pela vida dentro dos hospitais. Em Minas Gerais, 285 bebês foram internados com desnutrição no ano passado. O número equivale a cinco pedidos de socorro dos familiares em prontos atendimentos do Estado por semana. Uma realidade que só tem piorado. Em uma década, as internações dos menores de 1 ano por fome grave aumentaram 63%, segundo dados do Ministério da Saúde (MS) – foram 175 hospitalizações em 2013, contra 285 em 2023.
De acordo com o Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), a desnutrição causou 2.837 internações de bebês em dez anos no Estado mineiro, três vezes mais que a dengue (902) na mesma faixa etária e período. “Esses bebês estão na ponta do iceberg da fome. São casos inaceitáveis de extrema vulnerabilidade associados a diversos fatores, como domicílios precários e carência de políticas de cuidados das crianças”, afirma a presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Fabíola Suano.
A especialista explica que as hospitalizações ocorrem como um círculo vicioso: quanto mais desnutrido, mais o bebê pode sofrer com complicações por infecções, e vice-versa. Nesses casos, uma diarreia ou uma pneumonia, que seriam facilmente tratadas, podem levar à morte. “Na pobreza e na fome, a mortalidade é muito maior, assim como o tempo de internação. A maioria se recupera, mas não é raro que o paciente seja reincidente, já que ele retorna ao local e às condições de onde adoeceu”, diz.
Um dos principais esforços das autoridades de saúde contra a mortalidade infantil está no incentivo à amamentação. O MS afirma que o aleitamento materno reduz em 13% os óbitos por causas evitáveis – como desnutrição grave, diarreia e gastroenterite – de crianças menores de 5 anos. Em Minas Gerais, a desnutrição matou 118 bebês e crianças nessa faixa etária em uma década.
A diarreia, 247, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Apesar de não parecer um número alto, é preocupante, porque são perdas, segundo a nutróloga Fabíola Suano, que não deveriam acontecer: “A partir dos 6 meses, o bebê precisa de nutrientes, e os produtos mais baratos são ultraprocessados, como bolacha e macarrão instantâneo. Isso causa desnutrição. E a mãe que dá à luz desnutrida gera um bebê pequeno, magro, suscetível a doenças, internações e, infelizmente, à morte”.
A socióloga Danielle Fernandes, professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, afirma que a desnutrição infantil tem consequências profundas no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. “A falta de nutrientes adequados na primeira infância pode comprometer o desenvolvimento físico e mental, resultando até mesmo no comprometimento da altura das crianças. Estudos internacionais já mostraram que a estatura infantil até os 5 anos pode ser um indicador de dificuldades acadêmicas no futuro”, explica a socióloga.
Segundo a professora Luana Carolina Santos, do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, uma criança que cresce com fome também desenvolve obesidade e doenças crônicas, como diabetes, no futuro. Situação agravada durante a pandemia de Covid-19. “As famílias passaram a enfrentar, ainda mais, a insegurança alimentar, que é a falta de oportunidade de escolher alimentos adequados. Para as crianças, a situação é ainda mais grave, pois elas são mais vulneráveis devido às suas necessidades de desenvolvimento. Precisamos garantir condições de acesso a alimentos adequados e acessíveis”, explica.
Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais não havia se pronunciado até o fechamento desta edição.
'Se não fosse a merenda da escola, não sei o que eu faria'
Mãe solo de três filhos, de 4 meses, 4 e 7 anos, Glaziele Gomes Pires, 32, tem dois principais apoios para manter os filhos nutridos: a escola e os pais dela. Moradora da Vila Nossa Senhora de Fátima, no aglomerado da Serra, em BH, ela sabe o que é não ter absolutamente nada para comer. “Já passei aperto demais. Durante a pandemia, meus armários estavam todos vazios”, diz.
Sem condições de fazer mais faxinas para manter a renda, em função dos cuidados dos filhos, ela consegue ter a cozinha abastecida só de alimentos para lanche: iogurtes, biscoitos e, na primeira semana do mês, algumas frutas. No resto do mês é sobrevivência. “Eu desço para almoçar na casa dos meus pais, que é em frente à minha. Meus filhos almoçam e jantam na escola, que é integral. Mas é bem difícil, porque na minha mãe moram 17 pessoas, juntando meus irmãos e os filhos deles”, diz.
A realidade dela não é algo incomum, segundo a subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da Prefeitura de Belo Horizonte, Darklane Rodrigues. “A criança que está na escola tem acesso a alimentação saudável, coordenada por nutricionista. Nós percebemos que durante as férias as famílias mais vulneráveis têm o orçamento impactado por terem que comprar mais comida”, afirma. Nas escolas municipais de BH, são servidos 82 milhões de refeições por ano. Nas férias de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024, foram entregues 35.744 cestas básicas e 32 mil em julho de 2024.
Comentários do Facebook