120 anos do trem: conheça histórias que se cruzam na linha férrea entre MG e ES

120 anos do trem: conheça histórias que se cruzam na linha férrea entre MG e ES
montagem mostra trem da vale e viajantes O trem de passageiros da Vale em montagem com passageiras que fizeram a viagem Minas-Vitória Larissa Ricci / Itatiaia
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A reportagem da Itatiaia embarcou em um dos vagões para ouvir e contar essas histórias

19/05/2024 às 08:46 • 

 Portal Itatiaia

Às 6h30, a fila se forma na Estação Central Ferroviária, no hipercentro de Belo Horizonte. Antes do sol nascer, mineiros e capixabas que viajarão no trem Vitória a Minas, com malas a tiracolo, se encontram nas ruas com os trabalhadores que correm para não perder o metrô e iniciar mais um dia de serviço — os embarques ocorrem lado ao lado. Pontualmente, às 7h, começa o trajeto que passa por 42 cidades que cortam Minas Gerais e Espírito Santo.

Nesta semana, a linha férrea completa 120 anos, com muitas histórias para contar: desde a influência desse empreendimento no desenvolvimento econômico do estado até os mais variados encontros sobre os trilhos. No início de maio, na quarta-feira dia 8, a reportagem da Itatiaia embarcou em um dos vagões para ouvir e contar as histórias que essa linha transporta.

Partida

Cinco minutos após se acomodar em um dos vagões, o chefe do trem dá as boas-vindas no alto-falante. Não demora para os prédios darem lugar às montanhas na paisagem vista da janela. A vista e o trem pedem por um café com pão de queijo, para começar bem o dia. Sorte que, no trem, há um vagão-restaurante. A lista com opções de lanches é extensa, e os itens podem custar de R$ 5 a R$ 20.

Aparecida Vasconcelos, de 65 anos, está a caminho de Rio Piraciaba. “Estou voltando para minha terra natal, e vou todo o mês para a capital mineira. A viagem dura cerca de 2h30. Acho muito mais tranquilo do que encarar os acidentes na BR-381”. A estrada a que Aparecida se refere, a BR-381, liga São Mateus (ES) à cidade de São Paulo (SP), passando por Minas Gerais, e é conhecida como “Rodovia da Morte”, devido ao alto número de acidentes. Em contrapartida, a ferrovia é uma das mais seguras do Brasil, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Quando tudo começou

Os passageiros do trem conseguem ver, pelas janelas, belas paisagens formadas pela vegetação típica da Mata Atlântica e do Cerrado, às margens do rio Doce. Há também as montanhas devastadas pela mineração. Quando os vagões passam por Barão de Cocais, é possível ver a Mina de Gongo Soco, que pertence à Vale. A cena faz lembrar o motivo da criação da linha férrea.

Ela foi fundada em 1904, para transportar a produção cafeeira e, depois, o minério de ferro de Minas para o litoral. No início das operações, os trens de carga e o de passageiros circulavam juntos. Nos anos seguintes, por questões de segurança, as viagens foram separadas.

Há passageiros que usam o meio de transporte há décadas. Magda Maria dos Santos, de 70, que é mineira e mora no Espírito Santo, conta que o banho era imprescindível quando se chegava ao destino. “Já peguei o trem há muitos anos, quando ainda era todo de madeira e tinha as janelas abertas. Chegava em casa toda empoeirada”, conta.

A cabeleireira aposentada, Nilza Barbosa, de 68, que faz o trajeto de Governador Valadares até a capital capixaba há mais de 50 anos, lembrou que havia até mesmo cabine para dormir!

 

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Trem da vale completa 120 anos

Arquivo Vale

Conexões

Os anos se passaram, a tecnologia avançou, mas quem segue até a última estação ainda encara quase 14 horas de viagem - sem internet. Se tiver sorte, consegue se conectar, por pouco tempo e com sinal fraco, em algum dos pontos de embarque e desembarque.

Para os mais novos, isso pode ser um desafio. E essa era uma preocupação da bióloga Regiane de Freitas Oliveira, de 39, que foi acompanhada dos dois filhos, da cunhada, da irmã, do sobrinho e do esposo. “A gente está de férias e esse era um sonho antigo que a gente tinha”, contou. A vista dos belos túneis e pontes e os passeios entre os vagões fez com que os pequenos se distraíssem sem os celulares. Mas também há quem já vá preparado com filmes e séries baixados nos tablets.

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Família viaja com a criançada de trem de BH (MG) até Vitória (ES)

Larissa Ricci/ Itatiaia

Quem quer fugir das telas passa o tempo com palavras-cruzadas e uma boa conversa. E haja prosa para o grupo formado por 63 jovens senhoras que se uniram em uma excursão com a turma de dança do “Mauro Negrão — excursão e animação”.

O grupo lotou um dos vagões executivos. Para quem nunca teve oportunidade de conhecer o trem, saiba que ele é dividido em duas classes: executiva — cuja passagem custa R$ 105 para a viagem completa, de BH a Vitória — e econômica, que custa R$ 73. Caso opte por apenas um trecho, o custo é menor. Em relação às classes, na prática, a diferença é no tamanho das poltronas.

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Participantes do “Mauro Negrão — excursão e animação”

Larissa Ricci/ Itatiaia

As jovens idosas optaram pelo conforto maior. Até porque elas saíram de Goiânia, viajaram por 12 horas até a capital mineira, onde, após passar uma noite, embarcaram no trem para a capital capixaba.

Vilma Rodrigues Abreu, de 66, era uma das mais empolgadas. “Essa é a minha primeira vez no trem. Eu não viajava porque era casada. Fiquei viúva e tinha um comércio. Agora, tô livre, tô aposentada, vou curtir minha vida”, comemorou. A amiga Catarina Rodrigues Barbosa, de 74, vive para esse tipo de momento: “Gosto de viajar, eu em casa sou visita. De segunda a sábado, tô sempre fazendo atividades: coral, pilates, teatro… Envelhecer é uma fase da vida de uma vida bem vivida”, disse.

Por volta de 11h30, a fome começa aparecer e os passageiros já pensam no almoço. Eles têm a opção de comer no próprio assento ou ir até o vagão lanchonete. O cardápio não é muito extenso, mas tem opção para todos os gostos: de filé de frango a tropeiro. Os preços variam de R$ 25 a R$ 32.

Amor de ‘trem’

Na parte da tarde, caminhar pelos vagões é se deparar com o silêncio de um bom cochilo. Às 13h10, em Governador Valadares, acontece a maior parada do trajeto: oito minutos. Esse é o tempo para a troca de toda a equipe: maquinista, tripulantes, o chefe do trem. Foi nessa estação que Nilza embarcou. E ela contou sobre as histórias que começaram no trem e se desenrolaram fora dele também.

“Fiz muita amizade ao longo desses anos todos. Tive um grande amor que era um maquinista da Vale. Conheci em uma das viagens, da época que maquinista tinha auxiliar, há uns 45 anos. Convivemos por 20 anos, foi muito bom enquanto durou”, lembrou Nilza Barbosa.

Ela ainda lembrou dos incidentes que eram comuns do percurso. “Quando chegava em Flexal — penúltima parada antes do ponto final — quem estava do lado de fora jogava pedras no trem. Já vi muita gente machucada. As pedras quebravam as janelas. Em um dos casos, lembro que atingiu a testa de uma pessoa”, contou. Mas esse parece ser um problema que ficou no passado e não mais se ouve falar sobre esse tipo de ocorrido.

Quem continua a viagem pode colocar um fone e assistir um bom filme. A opção de entretenimento fica nas telas instaladas em todos os carros da composição, tanto na classe econômica quanto na classe executiva.

Às 20h30, o destino final: Pedro Nolasco. Lá, os vagões já estavam mais vazios. Muitos desembarcaram no meio do caminho. Nilceia Peixoto, de 78, que integra a excursão de Goiânia, ficou e ainda tinha ânimo para uma dança. “Foi maravilhoso. Já havia andado de trem quando era criança e queria muito fazer essa viagem. Chegando no hotel, ainda temos um ensaio de dança”, finalizou.

*A repórter Larissa Ricci viajou a convite da Vale.