Projeto de banco genético de Cannabis recebe autorização para ser implementado
Anvisa ainda não aprovou regulamentação; construção foi autorizada por meio de habeas corpus
Por Bernardo Marchiori* Tribuna de Minas
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) se tornou a primeira instituição pública do Brasil a sediar um banco genético de Cannabis Sativa L. A criação do Banco de Germoplasma de Cannabis demorou quatro anos para ser efetivada, pela necessidade de cuidado por ser uma planta capaz de gerar efeitos psicoativos. Ainda assim, será implantado por meio de habeas corpus, medida judicial emitida pela Subseção Judiciária da Justiça Federal de Viçosa – distante cerca de 170 quilômetros de Juiz de Fora -, vinculada ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que irá permitir a implementação do espaço para abrigar as sementes. Segundo a UFV, o ponto de partida é conhecer a variabilidade das plantas e reuni-las em local seguro, para que possam ser estudadas.
Com o habeas corpus concedido, o Departamento de Agronomia autorizou, no dia 21 de outubro, o início da construção do Banco de Germoplasma. A obra será financiada pela empresa parceira Cannabreed Technology Brasil Ltda. (com quem a UFV firmou convênio em 2023), em uma área de quase um hectare, no Vale da Agronomia. O espaço prevê plantios realizados em solo, protegidos por equipamentos de segurança e monitoramento constante da vigilância da universidade.
A universidade destaca que a planta tem um potencial enorme de utilização e pode se tornar uma commodity agrícola para o Brasil. “Para isso, é preciso começar colecionando, conhecendo e classificando as variedades disponíveis. Este é o primeiro passo para um futuro em que será possível melhorar geneticamente as plantas, procurando atender às diferentes demandas, que vão da produção de fármacos a fibras e óleos combustíveis.”
À frente do projeto, o professor do Departamento de Agronomia Derly José Henriques da Silva coordena há mais de 20 anos o Banco de Germoplasma de Hortaliças da UFV e é especialista no assunto. Ele explica que a ideia de criar o banco de Cannabis veio do crescente interesse do mercado pelo tema. O convênio firmado com a empresa parceira já tinha o objetivo de constituir um banco de germoplasma visando a estudar, em casa de vegetação e no campo, os mais diferentes tipos de plantas, bem como a sua adaptação ao clima tropical brasileiro.
Por ser psicoativa, a Cannabis precisa passar pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ainda não aprovou a regulamentação. “A justificativa da Anvisa é que o tema envolve saúde e, assim, carece de mais estudos. Por isso, a UFV e a empresa conveniada entraram na Justiça alegando que se tratava de um banco genético, justamente para ser a fonte para futuras pesquisas”, explica o professor.
Banco de germoplasma
Conforme explica a UFV, bancos de germoplasma são lugares criados para conservar materiais genéticos de uma ou mais espécies de animais, vegetais e microrganismos. Armazenados, eles formam um grande patrimônio de informações genéticas que podem ser usados por gerações futuras. Por enquanto, o projeto da Universidade que envolve a Cannabis prevê a coleção apenas das sementes das variedades, mas poderá se estender, por exemplo, para cultura de tecidos. Estes materiais guardam genes, permitindo o desenvolvimento de plantas mais produtivas e adaptadas a diferentes climas, solos e necessidades dos agricultores e do mercado.
O objetivo, segundo o professor Derly, é coletar sementes de até cinco mil diferentes tipos de plantas de Cannabis. Para criar a coleção, o Banco precisa receber doações de todas as regiões do país e do mundo. Com o tempo, poderá também doar variedades para outras instituições, praticando, assim, o intercâmbio de recursos genéticos.
Uma vez recebidos os diferentes tipos de plantas, o passo seguinte é plantar as sementes para descrever e registrar cientificamente as características e condições de adaptabilidade da planta. Os dados gerados irão permitir conhecer a capacidade produtiva e o melhor potencial de aproveitamento dos subprodutos, ou seja, para qual fim aquela variedade seria mais adequada.
Depois de passar por essas fases, a planta ganha uma espécie de passaporte, com dados que serão disponibilizados para a comunidade científica, instituições e empresas conveniadas com interesse no cultivo ou na produção de híbridos para determinados fins comerciais. “As informações sobre as plantas serão públicas e estarão, inclusive, em publicações científicas, mas o acesso aos diferentes tipos de plantas será feito mediante convênio com empresas interessadas”, explica Derly.
A previsão para finalizar a obra do Banco de Germoplasma da UFV é até o início de 2025, para começar a receber plantas e a cultivar as sementes. Ainda de acordo com o professor, tudo será feito dentro dos preceitos da ciência para que o material genético seja utilizado de forma clara e transparente. “Para que a Cannabis seja um bom negócio para o Brasil e seus produtos sejam utilizados para a promoção da saúde, essa iniciativa da UFV é o primeiro passo”, afirma o pesquisador, que será também o curador do Banco de Germoplasma de Cannabis.
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