Empresário preso após desaparecimento de adolescente: o que diz a lei sobre relacionamento com menor de idade
‘Altamente problemático, embora nossa sociedade insista em normalizar’, afirmou a advogada Camila Rufato; Justiça decidiu que Guilherme Guimarães continuará preso
Itatiaia Por Larissa Ricci
O caso de uma adolescente de 16 anos que desapareceu no bairro Castelo, em BH, levantou diversos questionamentos. Um deles é em relação à diferença de idade dela e do namorado, o empresário Guilherme Augusto Guimarães, de 38 anos, preso após o sumiço da menina. O homem mantinha um ‘relacionamento’ com a jovem desde que ela tinha 13 anos, e ele, 36.
A menina desapareceu na última quinta-feira (6), no Bairro Castelo, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Segundo a mãe, a garota disse que iria para a casa de uma amiga e não foi mais vista. O sumiço foi comunicado à Polícia Civil, que começou a investigar o caso.
Na manhã de sábado (8), uma operação policial conseguiu localizar os dois. Aos policiais, o empresário contou que estava com a menina e foi preso em flagrante por descumprir uma medida protetiva, baseada na Lei Henry Borel, que tipifica a violência doméstica contra crianças e adolescentes. Por causa dessa medida, ele não poderia chegar perto dela. Nessa segunda (10), após ausência de custódia, a juíza converteu a prisão em flagrante em preventiva.
Mas, afinal, há problema em um homem adulto se relacionar com uma adolescente? O que diz a lei brasileira sobre consentimento? Quais são os impactos e as consequências dessas relações nas vidas das garotas? Carla Silene, advogada criminalista e professora no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) e Camila Rufato Duarte, advogada e cofundadora do “Direito Dela”, explicam como a lei do país vê esse tipo de situação.
O que a lei diz sobre ‘relações’ com menores de 14 anos?
Conforme explica Carla, a lei considera como estupro de vulnerável todo e qualquer ato libidinoso praticado com menor de 14 anos, ainda que não tenha ocorrido violência ou grave ameaça. Para esse crime, a pena é de 8 a 15 anos, sendo aumentada no caso de lesão corporal grave, de 10 a 20 anos; no caso de morte, de 12 a 30 anos.
Camila acrescenta que a legislação entende que é presumido que pessoas abaixo de 14 anos não têm condições de compreender e consentir com o ato sexual. “A Súmula 593 do STJ complementa a previsão legal afirmando que para a configuração do crime de estupro de vulnerável é irrelevante o consentimento da criança/adolescente, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agressor”, informou.
Carla ainda ressalta que isso independe da idade do parceiro(a). “Quando o parceiro for maior de 18 anos, poderá responder nos termos da lei penal. Caso seja menor de 18 anos, a questão será avaliada sob o prisma do Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo o adolescente ser submetido a qualquer das medidas socioeducativas”, explicou.
O que a lei diz sobre as relações com adolescentes de 14 a 17 anos?
Carla aponta que, entre 14 e 17 anos, a lei muda e entende que o (a) adolescente já tem condições de se autodeterminar quanto à prática ou não de ato libidinoso (abraçar, tocar partes do corpo, beijar, entre outros, com intuito de satisfazer desejo sexual).
“No entanto, caso haja violência ou grave ameaça, a pena será de 8 a 14 anos de reclusão. E se a relação ocorrer em situação em que o/a adolescente esteja vulnerável (drogada, medicada, dormindo, embriagada etc), fica caracterizado o estupro de vulnerável com pena de 8 a 15 anos”, disse.
Um adulto pode responder por uma relação que já teve, no passado, com uma menina que era menor de 13 anos na ocasião?
Segundo especialistas, mesmo a denúncia acontecendo depois (no caso de Guilherme, após três anos), ele poderia ser responsabilizado. A criminalista Carla explica que, caso fique provado que houve prática de ato libidinoso entre ela e o namorado antes dos 14 anos, ele poderá responder pelo crime de estupro.
Ou seja, o crime ter acontecido três anos não impede que ele seja punido hoje, caso seja provado que houve qualquer ato libidinoso.
Como o juiz entende o consentimento dos pais em um relacionamento entre uma adolescente com um adulto?
Em 30 de abril deste ano, a mãe da adolescente já tinha ido até a polícia denunciar o namorado da filha. Conforme o boletim de ocorrência, ela relatou que a adolescente começou o ‘namoro’ com Guilherme, que tinha 36 anos na época, quando tinha apenas 13.
No registro policial, a mãe afirma que só descobriu o relacionamento depois de cinco meses. Mesmo com a diferença de idade, os pais autorizaram o relacionamento, temendo que seria pior se proibissem. Porém, com a condição de que a adolescente sempre informasse onde estava e o que estava fazendo e que não dormisse fora de casa. Segundo a família da menina, quando ela fez 15 anos, o comportamento mudou. Foi quando a família procurou ajuda.
“Aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade; mas para falar em responsabilização deles, primeiramente é preciso saber se houve conivência com o que ocorria”, explicou Carla. Sendo assim, caso eles tivessem ciência de que a filha estava sendo vítima de algum crime e não tomaram providência legal, eles podem responder perante a Justiça.
Especialista explica os riscos desse tipo de relação
Camila chama atenção para as relações entre pessoas com tal diferença de idade, sendo uma delas adolescente. " É altamente problemático, embora nossa sociedade insista em normalizar”, disse. Ela aponta que, não por acaso, a maior ocorrência deste tipo de caso é justamente entre um homens mais velhos e menina mais jovens. “Existem vários vieses envolvidos: nossa sociedade trata homens adultos de modo infantilizada, enquanto meninas são vistas como adultas desde muito cedo. É como se a ‘novinha’ tivesse plena consciência do que faz e ainda fizesse de propósito”, afirmou.
Ela ainda se lembrou do caso que chocou no ano passado, do prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, de 65 anos, que se casou pela quinta vez, com uma menina de 16 anos. Inclusive, os pais da adolescente compareceram à cerimônia.
A advogada Camila ainda analisa o porquê de essa relação parecer uma escolha para muitas adolescentes. “Desde sempre ouvimos que mulheres amadurecem mais cedo, que mulheres preferem homens mais velhos; e que jovem não quer ser madura? Isso, somado à necessidade de validação, independência e a toda romantização vendida pela mídia, é um prato cheio para uma menina se sentir especial por ser ‘escolhida’ por um homem mais velho”, disse.
Ela chama a atenção para como os relacionamentos precoces colocam em risco o futuro de meninas e mulheres e enfraquecem o combate à violência contra a mulher. “Esses relacionamentos acentuam as dinâmicas de poder já existentes em relacionamentos heteroafetivos. Essas relações entre uma pessoa adulta, que está com a vida mais estabilizada, e uma adolescente, que continua tentando entender a vida, são propícias para o exercício de controle e o acometimento de violências das mais diversas formas, sobretudo a sexual”, analisou.
Formalização do relacionamento
Camila explica que, juridicamente, no Brasil, uma pessoa de dezesseis anos pode se casar, com autorização dos pais ou dos representantes legais. “Este fato, sem sombra de dúvidas, é um norte para o posicionamento do judiciário diante de relacionamentos de pessoas maiores de 16 a 18 anos”, afirma.
A advogada lembra que a Organização das Nações Unidas considera a união de pessoas com menos de 18 anos casamento infantil. No entanto, o Brasil tem números recordes desse tipo de união. “Para se ter uma ideia, até muito recentemente, o Art. 1.520 do Código Civil previa que, excepcionalmente, seria permitido o casamento de menor de 16 anos para evitar cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. Esse absurdo só foi revogado em 2019, pela Lei 13.811".
Alta nos números
Estatísticas nacionais mostram que a violência sexual contra crianças e adolescentes permanece alta no Brasil. O serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100) registrou, entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano, 7887 denúncias de estupro de vulnerável. A média de denúncias em 134 dias é de cerca de 60 casos por dia ou de dois registros por hora.
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