Criada a partir do bagaço da cana, biomassa é uma das principais fontes de energia do país
Presidente da UNICA afirma que a produção de bioeletricidade bateu recorde em 2023 no Brasil e evitou emissões de 4,3 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera
O Tempo Por Mateus Pena
Em meio ao período de seca e a falta de chuvas significativas, quais são as outras fontes de energia que podem ser alternativas para suprir a carência da produção de energia hidrelétrica? E a decomposição de produtos orgânicos é uma das principais opções. E, nessa tendência, a eletricidade gerada a partir da biomassa de cana-de-açúcar ganha cada vez mais relevância no cenário energético brasileiro.
A afirmativa é de Luciano Rodrigues, diretor de inteligência da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA) que, em entrevista para O TEMPO, falou sobre o crescimento da produção de energia por meio da biomassa, o papel do etanol na transição energética, os impactos socioeconômicos do setor sucroenergético local e o preço do etanol atualmente.
A UNICA é a entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar, etanol (álcool combustível) e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil, principalmente do Estado de São Paulo. Confira a entrevista com Luciano:
Com a falta de chuvas e a seca, os reservatórios podem ficar vazios e isso pode comprometer a produção hidrelétrica. Dessa forma, precisamos de fontes de energia alternativas, e a biomassa pode ser uma delas. Há uma tendência de crescimento da biomassa?
A bioeletricidade gerada a partir da biomassa de cana-de-açúcar já é parte da matriz elétrica brasileira. Hoje, nós temos 100% das usinas produzindo bioeletricidade a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar, sendo que mais da metade dela além de atender o consumo próprio também vendem o excedente para a rede nacional de energia elétrica.
A produção de bioeletricidade bateu recorde em 2023 e evitou emissões de 4,3 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, marca que somente seria atingida com o cultivo de 30 milhões de árvores nativas ao longo de 20 anos.
Qual é o papel do etanol na transição energética?
Em todo o globo, temos um grande desafio pela frente, que é o enfrentamento da mudança do clima e a redução da emissão de gases de efeito estufa. A estimativa da Agência Internacional de Energia é de que o mundo precisará triplicar a oferta de biocombustíveis até 2030 se quiser chegar a zero em 2050. Neste cenário, o Brasil tem um case único no mundo todo, de produção de energia limpa e renovável. O etanol já provou que é eficiente e emite até 90% menos CO2 do que a gasolina.
Para que se tenha uma ideia, nenhum outro país do mundo tem uma frota de 31 milhões de veículos aptos a serem abastecidos com biocombustível. Desde a chegada dos veículos flex ao Brasil, em 2003, os motoristas brasileiros já evitaram o lançamento de 660 toneladas de CO2 na atmosfera, pelo simples fato de escolherem o etanol na hora de abastecer. E não é só isso, apenas no último ano, a economia proporcionada aos consumidores pela presença do etanol na matriz brasileira atingiu cerca de R$ 7 bilhões. Ou seja, somos a prova de que é possível descarbonizar e, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento econômico.
Destaco ainda que, além do papel central do etanol da transição energética, o setor sucroenergético brasileiro aposta também em outras fontes de energia que podem contribuir para colocar o Brasil na vanguarda do movimento mundial da economia de baixo carbono. Nossa indústria produz etanol de cana-de-açúcar, etanol de milho, etanol de segunda geração, crédito de carbono, biogás, bioeletricidade e biometano. Tudo isso é produzido sem nenhum comprometimento da produção de alimentos, ofertamos quase 20% de toda a energia da matriz energética nacional utilizando apenas cerca de 1% da área do País.
Em um futuro próximo, teremos a oportunidade de ampliar o portfólio do setor com captura de carbono, combustível sustentável de aviação, combustível renovável para o transporte marítimo e hidrogênio de baixo carbono. Estamos trilhando um caminho sólido rumo à economia de baixo carbono.
Quais os impactos socioeconômicos do setor sucroenergético para o estado e o país?
O setor sucroenergético é responsável por movimentar 2% do PIB nacional, gerando riquezas internas, desenvolvimento, emprego e renda. Em todo o Brasil, são cerca de 730 mil postos de trabalho e chegamos a um total de 2,2 mil, se considerarmos vagas diretas e indiretas. O Estado de Minas Gerais concentra quase 60 mil empregos diretos gerados pelo setor. Esse número salta para mais de 160 mil ao contabilizarmos vagas diretas e indiretas, que representam 11,4% de todo o país. Minas é o terceiro estado em que o setor mais emprega, ficando atrás apenas de São Paulo e Goiás.
O preço do etanol hoje é em média R$ 4,08 por litro, segundo dados divulgados pela ANP. O etanol ainda está caro porque as empresas estão preferindo açúcar?
Essa é uma questão que precisa ser desmistificada. Um dado interessante é que hoje, 40% da produção de etanol vem de empresas que não fazem açúcar: São destilarias de etanol de cana-de-açúcar ou de etanol de milho que não possuem capacidade de produção do adoçante.
Em média, no Centro-Sul do Brasil (SP, MG, PR, MT E MS), apenas 15 a 20% da cana-de-açúcar processada pode ser direcionada para açúcar ou para etanol. Não é possível alterar a proporção de cana-de-açúcar e direcionar a matéria-prima para um ou outro produto de maneira intensa, existe limitação de capacidade das fábricas de açúcar e etanol – o custo de capital é enorme e não faz sentido ter capacidade ociosa que permita fazer 100% de etanol ou 100% de açúcar. Além disso, existem limitações de natureza técnica e comercial que também restringem essa mudança no mix de produção.
Só para se ter uma ideia, a despeito do açúcar estar remunerando mais do que o etanol nesta safra, a maior parte da cana processada até agora foi destinada para a fabricação do biocombustível (cerca de 51% do total processado). Em síntese, a flexibilidade das empresas é limitada.
Por fim, também vale esclarecer que a regulamentação no mercado de etanol e a presença dos veículos flex-fuel criaram condições que oferecem ampla segurança ao abastecimento do mercado interno. No caso da regulação, as empresas fazem contratos de suprimento antecipado de etanol anidro e mantém estoques obrigatórios do final da entressafra, por exemplo.
O etanol é produzido por uma indústria a céu aberto e o nosso histórico permitiu a criação de um arcabouço institucional e de uma dinâmica de mercado capaz de atenuar eventuais impactos na produção, garantindo suprimento adequado nos doze meses do ano.
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