Cidade em cinzas: enquanto nuvens de fumaça prejudicam a saúde humana, fogo arrasa fauna e flora de Uberlândia

Cidade em cinzas: enquanto nuvens de fumaça prejudicam a saúde humana, fogo arrasa fauna e flora de Uberlândia
Uberlândia sob fumaça — Foto: Daniela Nogueira/G1
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Cidade está há mais de 170 dias sem chuvas e registra diariamente inúmeros focos de fumaça. Segundo cientistas florestais da UFU, se o ritmo das mudanças climáticas continuarem acelerado, será mais comum as secas severas e consequentemente maiores as condições para os incêndios florestais.

Por Gabriel Reis, g1 Triângulo — Uberlândia

“Tudo começou com as primeiras nuvens de fumaça que atingiram Uberlândia. Desde então, eu passei a tossir todo dia e o dia todo. Era horrível. Como eu moro na região Sul da cidade, onde houve incêndios e as nuvens estavam mais concentradas, minha saúde ficou ainda mais prejudicada. Eu cheguei a tomar uma, duas, três garrafas de água, era em vão”.

 

A estudante Ana Clara Borges de Angelis, de 18 anos, contou ao g1 como tem sido seus últimos dias desde que Uberlândia foi tomada por incêndios recorrentes em diversas partes do município e da região.

Ela, que sofre com bronquite, rinite e sinusite, teve a causa dos problemas confirmada por um otorrinolaringologista: a fumaça.

De aparência acinzentada, cheia de moléculas tóxicas, como monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído, acroleína e tantas outras que tornam a respiração densa e difícil, a fumaça tem se tornado presente na cidade.

Basta olhar pela janela e ver a camada que encobre toda a cidade, e modifica o cenário nos mais de 170 dias em que a cidade não vê uma única gota de chuva.

"O clima seco dessa época combinado com as fumaças dos incêndios florestais torna o clima mais adverso para a vida humana. Portanto, a persistência dos incêndios florestais e consigo a grande quantidade de poluição despejada na atmosfera contribui para potencializar impactos negativos para a saúde humana e também para o meio ambiente", explicou o professor Vicente Toledo Machado de Morais Junior, do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

E a situação não é por acaso. De acordo com a climatologista Alcione Wagner, vivemos em um período de bloqueio atmosférico provocado por uma massa de ar quente e seco.

 

“Existem dois fatores que têm contribuído para a formação dos incêndios que temos acompanhado: a baixa umidade e a falta de chuvas. Hoje, em Uberlândia, as nuvens de fumaça são compostas tanto por aquelas que se formam do fogo na região, quanto aquelas que vêm por meio dos rios voadores direto da Amazônia”, explicou a climatologista.

 

Todo o cenário ainda ganha novos tons de cinza estimulados por uma frente fria que está na região Sul do Brasil e empurra ainda mais as nuvens de fumaça para o Sudeste.

 

“Fui ficando cada vez pior, passou dois, três, cinco dias e nada de eu melhorar. Cheguei a tomar antibióticos, antialérgicos, apliquei produtos no nariz, fiz de tudo. Meu pulmão começou a desenvolver uma espécie de muco e eu precisei tomar injeção para controlar”, lembrou Ana.

 

Moradores usam máscara para se protegerem da fumaça — Foto: Reprodução/EPTV

Moradores usam máscara para se protegerem da fumaça — Foto: Reprodução/EPTV

Em um respirar difícil e invisivelmente tóxico, a Defesa Civil recomenda alguns cuidados para que a saúde seja menos impactada na terra da fumaça:

  • Lágrimas artificiais: use para aliviar a ardência e a secura nos olhos. Consulte um médico antes.
  • Umidifique o ar para reduzir as partículas no ar, tornando o ambiente mais úmido. Se não tiver um aparelho, bacias com água e toalhas molhadas são alternativas eficazes.
  • Use máscara sempre que sair de casa. Priorize sua saúde e opte por máscaras que ofereçam proteção adequada.
  • Isole os ambientes: mantenha portas e janelas fechadas, incluindo as do carro, para evitar que a fumaça entre.
  • Evite praticar atividades físicas ao ar livre. Prefira realizar exercícios em locais fechados e bem ventilados.
  • Cuidado na estrada: use faróis baixos, mantenha uma distância segura dos outros veículos e mantenha as janelas fechadas.
  • Se encontrar fogo ou fumaça densa, pare no acostamento e aguarde em segurança. Caso o usuário esteja trafegando e seja surpreendido por uma queimada onde a fumaça adentre a pista, é muito importante reduzir a velocidade, fechar os vidros do veículo, manter distância segura do veículo à frente, posicionar o sistema de ventilação na posição recircular e não parar o veículo na pista.

Mergulho nas nuvens de fumaça

 

Fumaça provocada por fogo em Uberlândia — Foto: TV Integração/Reprodução

O cenário proporcionado para as fumaças é cinza. A anatomia da fumaça tem efeitos claros, segundo Alcione, e a fuligem que paira no ar contribui para o tempo seco, que resseca tudo à sua volta e intensifica o calor.

 

“Esse conjunto faz com que fiquemos em uma situação de calor ainda mais intenso, fora os riscos para a saúde humana. Vivemos em um verdadeiro período de emergência”.

 

Segundo Vicente, o mergulho indesejado na nuvem de fumaça prejudica não só a saúde humana, como aconteceu com Ana. O fogo em questão, ele arrasa a camada fértil do solo e prejudica a absorção de água por ele, o que contribui para um clima cada vez mais prejudicial para os seres humanos.

Ainda de acordo com o professor Luciano Cavalcante, também do Curso de Engenharia Florestal da UFU, são poucos os fenômenos naturais que se assemelham ao potencial danoso de grandes incêndios florestais, uma vez que eles transformam intensivamente a estabilidade de um ecossistema natural.

"O fogo remove uma camada superficial do solo muito importante, chamada serrapilheira, que é aquele acumulado de material orgânico (folhas, galhos, etc) em diferentes estágios de decomposição, que protege e fertiliza o solo. Essa camada demora demasiados anos para se acumular e realizar sua decomposição. Quando está seca e afetada pelo fogo, é totalmente destruída em pouco tempo. Após o fogo e perda dessa serrapilheira, fica exposto o solo mineral e o mesmo susceptível à perda de toda sua camada superficial após as primeiras chuvas, tudo é levado pelas enxurradas das gotas das chuvas. Os nutrientes minerais e os microorganismos do solo também se tornam todos altamente comprometidos após episódios de incêndios. Note que toda a cadeia do solo é afetada, solo exposto e degradado leva à erosão e a longo prazo à desertificação. Isto é muito preocupante".

Professor Luciano Cavalcante de Jesus França — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Professor Luciano Cavalcante de Jesus França — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Um amanhã translúcido pela fumaça

 

Se o hoje é incerto, o futuro permanece translucido pela fumaça do fogo persistente em Uberlândia. Diante dos fatos e se o cenário permanecer em aquecimento e seca, os eventos extremos se tornarão cada vez mais recorrentes.

Segundo os professores da UFU, um duplo efeito toma conta da realidade em que vivemos e já começa a tecer as linhas do que formarão o amanhã.

 

  1. Os incêndios contribuem para elevar o nível de emissão de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Quando ocorre o incêndio florestal, aquele carbono estocada no biomassa das florestas volta para atmosfera intensificando as emissões de GEE e consequentemente contribuindo para potencialização das mudanças climáticas;
  2. Além disso, a combinação de secas extremas com baixo nível de pluviosidade contribui para aumentar ainda mais as áreas susceptíveis a incêndios florestais, dificultando assim o combate e controle dos incêndios florestais e aumentando ainda mais a área de abrangência dos mesmos.

Incêndio no Campus Glória da UFU — Foto: Divulgação

Incêndio no Campus Glória da UFU — Foto: Divulgação

Por fim, de acordo com os cientistas florestais, a conclusão é uma só:

 

"Se o ritmo das mudanças climáticas continuarem acelerado como está, será mais comum as secas severas e consequentemente maior as condições para os incêndios florestais no Brasil, consequentemente a ocorrência de incêndios florestais pode potencializar ainda mais esses efeitos das mudanças climáticas por conta da liberação de GEE para atmosfera de maneira acelerada".

 

E finalizam.

"É preciso que os governantes ouçam mais a ciência e a academia, ouçam as universidades e instituições de pesquisa. É preciso que a população compreenda efetivamente sobre as técnicas de queima controlada/prescrita e saiba como o fogo pode ser usado como ferramenta de manejo de terra de forma segura, assim como evitar os episódios de fogos descontrolados, que levam à destruição do meio ambiente e da qualidade de vida da coletividade"

Incêndio próximo ao campus Glória da UFU — Foto: Via-drones/Reprodução

Incêndio próximo ao campus Glória da UFU — Foto: Via-drones/Reprodução