Casal é condenado a mais de 14 anos por escravizar doméstica em MG

Casal é condenado a mais de 14 anos por escravizar doméstica em MG
Madalena Gordiano, que passou 38 anos em cativeiro, se tornou símbolo da luta contra a escravidão doméstica no Brasil (Foto: Joel Silva/UOL)
Receba as notícias do MCM Notícias MG no Whatsapp
Receba as notícias do MCM Notícias MG no Whatsapp
Receba as notícias do MCM Notícias MG no Whatsapp

Mulher foi submetida à escravidão contemporânea aos 8 anos de idade, segundo o Ministério Público Federal

Tribuna    Por Leonardo Sakamoto para Repórter Brasil

 

A Família Rigueira, que escravizou a trabalhadora doméstica negra Madalena Gordiano, foi condenada pela Justiça Federal de Minas Gerais a penas que ultrapassam 14 anos de prisão, além de multas e indenizações de quase R$ 1,3 milhão à vítima. Os réus podem recorrer da sentença em liberdade.

O resgate dela foi responsável por jogar luz sobre o trabalho escravo doméstico no Brasil e levou ao aumento de denúncias ao poder público.

Madalena foi submetida à escravidão contemporânea em 1981, aos oito anos de idade, na casa dos pais de Dalton César Milagres Rigueira, segundo o Ministério Público Federal. Em 2005, foi levada por ele para trabalhar em sua residência, sendo libertada pelo grupo especial de fiscalização móvel em novembro de 2020, em Patos de Minas (MG).

O MPF aponta que ela foi escravizada por 39 anos, considerando o tempo em que trabalhou para os pais do ex-professor universitário. Mas a denúncia contemplou os 15 anos em que Madalena morou com Dalton, esposa e as duas filhas do casal – todos réus no processo.

Madalena realizava tarefas domésticas, sem descanso, férias e salário, tendo vivido anos em um pequeno quarto sem janelas, onde divida espaço com panos de chão, baldes e produtos de limpeza do apartamento.

De acordo com a fiscalização, ela foi obrigada a casar ainda jovem com um parente idoso e doente dos Rigueira, para herdar suas pensões como militar quando ele morresse. Dalton e sua esposa, Valdirene Lopes Rigueira, tinham o controle de contas em nome dela, usando os mais de R$ 8.400 depositados todo o mês para bancar gastos da família, como a educação das filhas.

À reportagem, a defesa afirmou que os Rigueira não se manifestarão sobre a sentença, proferida no último dia 8. “Por determinação judicial os autos se encontram sob segredo de Justiça. A defesa se reunirá com a família para discutir a situação. Será interposto o recurso próprio”, disse em nota.

Penas ultrapassam 14 anos

Por ter começado a trabalhar muito cedo, Madalena teve a infância interrompida. Tanto que só conseguiu realizar o seu desejo de ter uma boneca após resgatada. Apelidou de Madá o brinquedo de pano, dado pelo auditor fiscal do trabalho Humberto Camasmie, que coordenou a operação que culminou no seu resgate. “Eu coloquei meu nome porque ela é a minha filhinha. Ela parece comigo, é uma vida nova”, disse ao portal UOL, na época de seu resgate.

Durante o julgamento, os réus exerceram o direito constitucional ao silêncio, segundo a sentença. Seus advogados pediram a absolvição argumentando que os fatos imputados na denúncia do MPF não foram comprovados.

Dalton e sua esposa Valdirene foram condenados pelos crimes de redução à condição análoga à de escravo, furto qualificado e lesão corporal, totalizando 12 anos e oito meses de reclusão em regime fechado e um ano e 11 meses de detenção em semiaberto para cada um, além de multa. Ou seja, penas que somam 14 anos e sete meses.

As filhas não foram condenadas pelo crime de trabalho escravo. Raíssa Lopes Fialho Rigueira foi sentenciada por furto qualificado e lesão corporal, totalizando 7 anos e 11 meses de reclusão em regime fechado e um ano e 11 meses de detenção em semiaberto, além de multa. E Bianca Lopes Rigueira Nasser foi condenada por lesão corporal com pena de um ano e 11 meses de detenção em regime semiaberto.

A Justiça também condenou os quatro a pagarem indenizações a Madalena. A título de danos materiais, o Dalton e Valdirene terão que desembolsar R$ 1,13 milhão e Raíssa, R$ 23,5 mil.

Além disso, os quatro também terão que arcar com R$ 135 mil por danos morais. Esse valor, contudo, pode ser deduzido de outras indenizações já quitadas. Um acordo fechado pelo Ministério Público do Trabalho, em 2021, garantiu que os Rigueira transferissem à Madalena um apartamento e um carro.

Doméstica tinha que trabalhar mesmo doente

Na sentença, Madalena afirmou que “Dalton César Milagres Rigueira e Valdirene Lopes Rigueira não ofereciam produtos de higiene e, quando pegava escondido, eles sentiam falta e por isso precisava pedir ajuda para os vizinhos”.

Também disse que “durante todo o momento em que prestou serviços para os réus, não recebeu salário, férias com o adicional de 1/3, 13º salário e horas extras e até quando estava doente tinha que trabalhar”.

Em uma decisão bem fundamentada, o juiz federal William Matheus Fogaça de Moraes afirmou que “o conjunto probatório coligido aos autos comprova de maneira inequívoca que os acusados Dalton César Milagres Rigueira e Valdirene Lopes Rigueira reduziram a vítima Madalena Gordiano a condição análoga à de escravo, sujeitando-a a jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho”.

“A dignidade humana no caso foi profundamente violada pela conduta dos réus, que subjugaram e aviltaram a vítima por mais de 14 anos”, afirmou o magistrado.

Em abril do ano passado, Dalton César Milagres Rigueira também passou a integrar o cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra escrava, a chamada “lista suja”, atualizada e mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A base de dados é usada pos empresas e bancos para gerenciamento de risco de seus negócios.

Nos últimos anos, os casos de libertações de domésticas escravizadas tiveram ampla visibilidade na imprensa. Com isso, vizinhos começaram a perceber que trabalhadoras de residências do mesmo bairro estavam em condição similar e denúncias cresceram.

Os primeiros dois resgates ocorreram em 2017, depois foram mais dois em 2018, cinco em 2019 e três em 2020 — incluindo o de Madalena. Isso fez o número disparar: houve 31 em 2021, 31 em 2022 e 41, em 2023, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, o crime de redução de alguém à condição análoga à de escravo prevê de dois a oito anos de cadeia, que podem aumentar se envolver criança ou adolescente ou for motivado por preconceito.