Biomas brasileiros já perderam 10,5 milhões de estádios de futebol para as recentes queimadas

Biomas brasileiros já perderam 10,5 milhões de estádios de futebol para as recentes queimadas
Incêndio ilegal na floresta amazônica às margens da BR-230 (Rodovia Transamazônica), perto da cidade de Lábrea, no Amazonas, norte do Brasil Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
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A Amazônia, onde o fogo já consumiu 5,4 milhões de hectares entre janeiro e agosto, foi o bioma mais afetado

O Tempo    Por Rodrigo Oliveira

 

No país do futebol, o Brasil já perdeu cerca de “10,5 milhões de estádios” para as queimadas entre janeiro e agosto deste ano. O número é equivalente aos 11,39 milhões de hectares afetados pelos incêndios no país, segundo dados do Monitor do Fogo Mapbiomas, divulgados na quinta-feira (12). Uma das consequências mais óbvias, já que estamos falando de meio ambiente, é o impacto direto nos biomas - prejudicando a fauna e a flora. Mas, especialistas também alertam para o aumento do efeito estufa e o risco da savanização - medo que assombrava o país nos anos 90 e agora volta à tona. 

De acordo com Marco Moraes, geólogo formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e PhD pela Universidade de Wyoming (EUA), as mudanças climáticas têm contribuído para uma piora em torno de 40% nas estiagens - o que tem agravado ainda mais as queimadas. “Outros dois fatores que complicam a situação são o desmatamento e o El Niño, que ajudam a aumentar ainda mais o calor”, explica. 

Caracterizado pelo aquecimento maior ou igual a 0,5°C das águas do Oceano Pacífico, o El Niño acontece com frequência a cada dois a sete anos e a duração média do fenômeno é de doze meses, impactando no aumento da temperatura global. Com uma alta na temperatura das águas que chegou a superar os 2°C, o El Niño de 2023-2024 é o mais forte dos últimos anos. 

Crianças pantaneiras observam incêndio que atingiu fazenda no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress

Apesar de praticamente todos os biomas brasileiros serem afetados pelos incêndios, Moraes chama atenção principalmente para a Amazônia, onde o fogo já consumiu 5,4 milhões de hectares nesses oito meses. Ele aponta que os agricultores da região, “que insistem em usar o fogo para renovar a pastagem”, e a ação criminosa de grileiros são grandes causadores de incêndios na região. 

“As consequências são várias, como a destruição da vegetação nativa, a morte de animais e a perda de solos. Há ainda a questão da crise hídrica, com pessoas isoladas porque não há água suficiente para navegação e piora na qualidade para abastecer a população - uma vez que muitas delas retiram a água dos rios para beber e cozinhar”, aponta. 

Exemplo disso é a situação que a população de Porto Velho, em Rondônia, vem enfrentando. O rio Madeira, que banha a cidade, atingiu a cota de 0,96 metros, o menor nível observado desde o início da série histórica do Serviço Geológico Brasileiro, há 60 anos. Segundo a Defesa Civil, durante o período de agosto a outubro, também está prevista a entrega de 120 mil litros de água mineral para diversas comunidades.

Comunidade de Campo Novo, em Tefé, no Amazonas. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Outra questão, muito discutida na década de 1990 e que agora volta à tona, é o risco de savanização. O problema acontece quando há um processo de degradação da vegetação natural e perda da capacidade de regeneração do solo - o que pode levar à transformação da floresta em desertos parciais. 

“A natureza tem boa capacidade de regeneração, mas isso acontece dentro de certos limites. A Amazônia, por exemplo, precisa de 80% da mata preservada para conseguir se manter e se preservar. Menos do que isso, fica difícil o bioma se regenerar sozinho. A desertificação é perigosa, pois pode reduzir as chuvas no restante do país, afetando a agricultura e produção de energia”, exemplifica. 

De acordo com um trabalho de pesquisadores brasileiros publicado na Nature, a floresta pode atingir seu ponto crítico de savanização até 2050. 

Ele também lembra que a Amazônia é responsável pelo fenômeno dos “rios voadores” - espécie de curso d’água invisível e que é responsável por levar chuvas para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e o Sul do país. “Quando não há umidade, esses ventos trazem poeira e fumaça, afetando o meio-ambiente de outras partes do país. A situação é bastante preocupante, já que as chuvas na Amazônia costumam começar só em novembro.”

Efeito estufa 

A poluição do ar é um dos fatores mais preocupantes da degradação do meio ambiente em razão das queimadas. O aumento da emissão de gases emitidos - provocado pela sequência de incêndios - é altamente alarmante, conforme explica a professora em biologia e sustentabilidade do UniBH Fernanda Raggi. 

“Temos estudos que comprovam que, em dias de evento com fumaça, a gente tem um pico de excesso de dióxido de carbono, que vai a 100% . E esse gás tem uma relação com o efeito estufa porque ele absorve e reemite a energia infravermelha. Então, isso acaba aumentando a temperatura da atmosfera e comprometendo as metas que a gente tem que cumprir dentro da Conferência das Partes (COP) ou Conferência do Clima e os objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU).”

Incêndio florestal consome a vegetação da fazenda Paraíso na região da Nhecolândia, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

A situação ainda piora, segundo a professora. “É que além do aumento de temperatura devido ao dióxido de carbono, existe o material particulado que vai impedir que o vapor da água se propague na atmosfera. Essas partículas tomam conta das gotas de vapor, fazendo com que elas fiquem mais pesadas e não subam, o que amenizaria a temperatura e aumentaria a umidade relativa do ar. Então a gente vai ter um ambiente quente e seco formando o que chamamos de ilhas de calor.” 

Ranking das queimadas - janeiro a agosto de 2024*

  • Amazônia - 5,4 milhões de hectares
  • Cerrado - 4 milhões de hectares
  • Pantanal - 1,22 milhão de hectares
  • Mata Atlântica - 615 mil hectares 
  • Caatinga - 51 mil hectares
  • Pampas - 2,7 mil hectares 

Fonte: Monitor do Fogo Mapbiomas