Biomas brasileiros já perderam 10,5 milhões de estádios de futebol para as recentes queimadas
A Amazônia, onde o fogo já consumiu 5,4 milhões de hectares entre janeiro e agosto, foi o bioma mais afetado
O Tempo Por Rodrigo Oliveira
No país do futebol, o Brasil já perdeu cerca de “10,5 milhões de estádios” para as queimadas entre janeiro e agosto deste ano. O número é equivalente aos 11,39 milhões de hectares afetados pelos incêndios no país, segundo dados do Monitor do Fogo Mapbiomas, divulgados na quinta-feira (12). Uma das consequências mais óbvias, já que estamos falando de meio ambiente, é o impacto direto nos biomas - prejudicando a fauna e a flora. Mas, especialistas também alertam para o aumento do efeito estufa e o risco da savanização - medo que assombrava o país nos anos 90 e agora volta à tona.
De acordo com Marco Moraes, geólogo formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e PhD pela Universidade de Wyoming (EUA), as mudanças climáticas têm contribuído para uma piora em torno de 40% nas estiagens - o que tem agravado ainda mais as queimadas. “Outros dois fatores que complicam a situação são o desmatamento e o El Niño, que ajudam a aumentar ainda mais o calor”, explica.
Caracterizado pelo aquecimento maior ou igual a 0,5°C das águas do Oceano Pacífico, o El Niño acontece com frequência a cada dois a sete anos e a duração média do fenômeno é de doze meses, impactando no aumento da temperatura global. Com uma alta na temperatura das águas que chegou a superar os 2°C, o El Niño de 2023-2024 é o mais forte dos últimos anos.
Crianças pantaneiras observam incêndio que atingiu fazenda no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress
Apesar de praticamente todos os biomas brasileiros serem afetados pelos incêndios, Moraes chama atenção principalmente para a Amazônia, onde o fogo já consumiu 5,4 milhões de hectares nesses oito meses. Ele aponta que os agricultores da região, “que insistem em usar o fogo para renovar a pastagem”, e a ação criminosa de grileiros são grandes causadores de incêndios na região.
“As consequências são várias, como a destruição da vegetação nativa, a morte de animais e a perda de solos. Há ainda a questão da crise hídrica, com pessoas isoladas porque não há água suficiente para navegação e piora na qualidade para abastecer a população - uma vez que muitas delas retiram a água dos rios para beber e cozinhar”, aponta.
Exemplo disso é a situação que a população de Porto Velho, em Rondônia, vem enfrentando. O rio Madeira, que banha a cidade, atingiu a cota de 0,96 metros, o menor nível observado desde o início da série histórica do Serviço Geológico Brasileiro, há 60 anos. Segundo a Defesa Civil, durante o período de agosto a outubro, também está prevista a entrega de 120 mil litros de água mineral para diversas comunidades.
Comunidade de Campo Novo, em Tefé, no Amazonas. Foto: Ricardo Stuckert / PR
Outra questão, muito discutida na década de 1990 e que agora volta à tona, é o risco de savanização. O problema acontece quando há um processo de degradação da vegetação natural e perda da capacidade de regeneração do solo - o que pode levar à transformação da floresta em desertos parciais.
“A natureza tem boa capacidade de regeneração, mas isso acontece dentro de certos limites. A Amazônia, por exemplo, precisa de 80% da mata preservada para conseguir se manter e se preservar. Menos do que isso, fica difícil o bioma se regenerar sozinho. A desertificação é perigosa, pois pode reduzir as chuvas no restante do país, afetando a agricultura e produção de energia”, exemplifica.
De acordo com um trabalho de pesquisadores brasileiros publicado na Nature, a floresta pode atingir seu ponto crítico de savanização até 2050.
Ele também lembra que a Amazônia é responsável pelo fenômeno dos “rios voadores” - espécie de curso d’água invisível e que é responsável por levar chuvas para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e o Sul do país. “Quando não há umidade, esses ventos trazem poeira e fumaça, afetando o meio-ambiente de outras partes do país. A situação é bastante preocupante, já que as chuvas na Amazônia costumam começar só em novembro.”
Efeito estufa
A poluição do ar é um dos fatores mais preocupantes da degradação do meio ambiente em razão das queimadas. O aumento da emissão de gases emitidos - provocado pela sequência de incêndios - é altamente alarmante, conforme explica a professora em biologia e sustentabilidade do UniBH Fernanda Raggi.
“Temos estudos que comprovam que, em dias de evento com fumaça, a gente tem um pico de excesso de dióxido de carbono, que vai a 100% . E esse gás tem uma relação com o efeito estufa porque ele absorve e reemite a energia infravermelha. Então, isso acaba aumentando a temperatura da atmosfera e comprometendo as metas que a gente tem que cumprir dentro da Conferência das Partes (COP) ou Conferência do Clima e os objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU).”
Incêndio florestal consome a vegetação da fazenda Paraíso na região da Nhecolândia, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
A situação ainda piora, segundo a professora. “É que além do aumento de temperatura devido ao dióxido de carbono, existe o material particulado que vai impedir que o vapor da água se propague na atmosfera. Essas partículas tomam conta das gotas de vapor, fazendo com que elas fiquem mais pesadas e não subam, o que amenizaria a temperatura e aumentaria a umidade relativa do ar. Então a gente vai ter um ambiente quente e seco formando o que chamamos de ilhas de calor.”
Ranking das queimadas - janeiro a agosto de 2024*
- Amazônia - 5,4 milhões de hectares
- Cerrado - 4 milhões de hectares
- Pantanal - 1,22 milhão de hectares
- Mata Atlântica - 615 mil hectares
- Caatinga - 51 mil hectares
- Pampas - 2,7 mil hectares
Fonte: Monitor do Fogo Mapbiomas
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