Agropecuária ocupa 67? área, mas representa 0,3% do PIB do município
Especialistas apontam motivações que explicam o cenário e as alternativas para otimizar essas áreas com baixo retorno econômico
Por Nayara Zanetti Tribuna de Minas
Entre 1985 e 2022, as áreas verdes de Juiz de Fora aumentaram quase nove mil hectares. Ainda assim, as regiões de mata correspondem somente a 26,99% do solo. Os dados constam do MapBiomas – principal plataforma de monitoramento da vegetação do Brasil – e mostram que a maior parte da cobertura da cidade é ocupada pela agropecuária, o que equivale a 66,28%. No entanto, apesar de preencher vasta parte do território, esse setor representa apenas 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do município, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Tribuna conversou com especialistas para entender o impacto econômico e ambiental desse cenário e quais ações podem ser feitas para otimizar essas áreas.
O processo de desmatamento de Juiz de Fora, assim como em várias regiões do país, tem relação com o ciclo do café. O professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialista em restauração de florestas, Fabrício Alvim, aponta que o histórico do desenvolvimento socioeconômico da cidade explica o fato da agropecuária ocupar a maior parte do solo ainda hoje. Segundo o pesquisador, entre o final do século XVIII e XIX, as áreas eram desmatadas para plantio e, mais tarde, se tornaram local de pastagem, utilizadas principalmente para a pecuária leiteira.
“Outra parte, mais reduzida, foi abandonada e se regenerou, gerando a maioria das florestas que temos hoje, como, por exemplo, a Mata do Krambeck (maior remanescente de Mata Atlântica na cidade). Há fotografias da década de 1940, que mostram que nós tínhamos várias áreas de pasto onde hoje é o Jardim Botânico e o Parque Estadual da Mata do Krambeck”, aponta Alvim.
Para o especialista, o maior problema da paisagem de Juiz de Fora ser coberta por áreas de pastagem é o desperdício de capital natural do solo degradado, que gera impactos ambientais preocupantes. “Essa grande área sem retorno prejudica o avanço da cidade, principalmente pela ausência de uma economia rural. No fundo é um grande desperdício de potencial, extensas áreas que poderiam ser utilizadas para a nossa agricultura, para uma economia circular, para incentivo de abastecimento de uma alimentação mais próxima, sem dependermos de alimentos que vêm em longa distância. Nós perdemos esse potencial e nós temos tudo para que isso seja possível”, afirma o professor.
‘O agro cresceu para o interior do Brasil e não para a Mata Atlântica’
Em relação ao pouco retorno econômico das áreas de agropecuária na cidade, o professor de agronegócio da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFJF, Paulo do Carmo Martins, explica que dois pontos ajudam a entender esse cenário: o primeiro em relação à extensão territorial de Juiz de Fora, que é muito grande, equivalente ao município de São Paulo; e o segundo a respeito da história da cidade ter um maior vínculo com a indústria do que com a agropecuária. “Precisamos lembrar que a primeira estrada pavimentada do Brasil foi a União-Industria, União referente ao RJ e Indústria a Juiz de Fora. Então nosso conceito de origem é industrial.”
Além disso, Martins, que por mais de dez anos esteve à frente da direção da Embrapa, ressalta também a questão geográfica da cidade, que, por ter uma estrutura montanhosa, dificulta a prática de agricultura competitiva e mecanizada. “O agro cresceu, nos anos 80 em diante, para o interior do Brasil e não para a Mata Atlântica. Nós não temos nenhuma região de Mata Atlântica com alta produção agrícola na Mata Atlântica. Na região, nós temos as principais cidades brasileiras que não são agrícolas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. O que daria para fazer são culturas de alto valor agregado que utilizam menos terra, dependem de um tempo maior de dedicação à produção e/ou seja um produto raro”, diz o professor.
Perda de solo colabora para a ocorrência de enchentes
Entre os impactos ambientais dessas áreas de pastagem, oriundas de uma agropecuária de baixo retorno, estão as queimadas e as enchentes. De acordo com o professor Fabrício Alvim, apesar de ser crime, o uso de fogo para manejo dessas áreas é uma prática comum durante o período de seca e esses incêndios atingem as florestas e até mesmo áreas urbanas. O risco de erosão também é outro problema. “Na época das chuvas, boa parte do solo é carreado para os córregos e rios, gerando assoreamento que é um dos principais incentivadores das enchentes que nós temos eventualmente na região.” O avanço da urbanização e a consequente perda de floresta também resulta na redução de corpos d’água. O professor cita como exemplo a represa João Penido, dominada por urbanização nos seus arredores.
Represa João Penido, na Zona Norte, enfrenta processo de urbanização em suas margens. (Foto: Marcelo Ribeiro)
O especialista enxerga a restauração florestal como principal alternativa para reaproveitar essas áreas e promover a segurança hídrica do município a longo prazo, junto com o aumento do número de Unidades de Conservação (UC) para proteção de florestas mais antigas. “Uma outra forma é o manejo adequado por meio do incentivo de culturas familiares para gerar renda, já que vivemos um êxodo dessas áreas e precisamos de alimentos, que poderiam ser feitos através da agrofloresta, da agricultura orgânica ou economia circular por exemplo. Técnicas existem aos monte, o que falta é o incentivo do Poder Público para que isso aconteça.”
Cobertura florestal ainda está aquém do ideal
O levantamento mais recente do MapBiomas mostrou que Juiz de Fora está na média da cobertura florestal em relação ao domínio da Mata Atlântica (26,99%), mas, segundo o professor, essa taxa não é um bom sinal. Alvim diz que essa questão é recorrente em todas as cidades da Zona da Mata e Juiz de Fora se posiciona como a segunda região mais pobre economicamente justamente pelo seu histórico de uso e degradação do solo, ficando atrás apenas do Vale do Jequitinhonha. “O ideal seria estarmos acima dessa média pelo número de áreas subaproveitadas que nós temos, que poderiam ser convertidas em turismo rural, em áreas de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), mas isso demanda uma mudança de pensamento.”
O aumento das áreas verdes, demonstrado no início da reportagem, se deve, principalmente, em razão das legislações de proteção de floresta, como o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica e a de Compensação Ambiental, sancionadas a partir do final da década de 1990. Entretanto, o especialista reforça que esse crescimento não necessariamente resulta em qualidade. “Quando analisamos no MapBiomas as vegetações secundárias, podemos ver que a maior parte da nossa cobertura florestal é de florestas jovens, e essas florestas não têm o mesmo potencial de oferecer serviços ecossistêmicos em relação às florestas mais antigas.”
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