Tratamento de esgoto é desafio na região
Entre dificuldades para implementar serviço, estão o custo das obras e a alta complexidade, de acordo com especialistas
Por Leticya Bernadete Tribuna de Minas
Em 2020, o Brasil implementou o Novo Marco Legal de Saneamento, que estabelece metas de atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033. Desde 2013, Juiz de Fora conta com um projeto de despoluição do Rio Paraibuna, entretanto, o município é o único na região que realiza tratamento de esgoto. A menos de dez anos para se encerrar o prazo do Marco Legal, as cidades cortadas pelos rios do Peixe e Paraibuna, antes destes chegarem ao território juiz-forano, ainda enfrentam desafios para tratar o esgoto gerado. O serviço é difícil de ser implementado, considerando que envolve obras caras e de alta complexidade, de acordo com especialistas ouvidos pela Tribuna.
Nas imediações envolvendo as bacias do Paraibuna e do Peixe, com exceção de Juiz de Fora, nenhuma outra cidade realiza tratamento de esgoto, liberado nos ribeirões e córregos, de acordo com o coordenador do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH), Wilson Acácio. Porém, o quadro é difícil de se reverter, considerando que as obras de saneamento têm alto custo.
Na bacia do Rio do Peixe, antes dele chegar ao território de Juiz de Fora, estão as cidades de Olaria, Belmiro Braga e Lima Duarte. Apesar de não realizarem tratamento, por serem municípios pequenos, com cerca de dois mil, três mil e 17 mil habitantes, respectivamente, o resíduo liberado nos cursos d’água ocorre em pouca quantidade e acaba se diluindo ao longo do rio, considerado um dos mais limpos da região.
“Saneamento, esgoto, lixo e captação de água pluvial, tudo isso é responsabilidade dos municípios, mas, infelizmente, não há recurso financeiro para isso. Se não tiver apoio da União e do Estado, dificilmente essas cidades vão conseguir fazer obras, que são caras”, explica Acácio.
Em relação ao Paraibuna, o esgoto gerado em Antônio Carlos, onde fica a nascente do rio, e em Juiz de Fora é descartado no curso hídrico. Antônio Carlos conta com uma população de 11.095 habitantes, e, conforme a Prefeitura, o esgoto gerado na cidade é direcionado a córregos e rios nas proximidades, além de que alguns domicílios contam com fossas. A Administração municipal informou que possui projetos em andamento a fim de alterar essa realidade, mas não deu mais detalhes.
Mesmo que Juiz de Fora seja o único município que realiza tratamento de esgoto, como apontado por Acácio, o índice na cidade é considerado baixo, levando em conta o nacional, de 52,2%, de acordo com o Instituto Trata Brasil. Desde 2013, o município trabalha no projeto de despoluição do Paraibuna. De acordo com a Cesama, o volume cresceu quase seis vezes nos últimos anos, considerando que o índice de tratamento de esgoto na cidade era de 7,14% em 2021 (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS) e atingiu o percentual de 41,63% no início de 2024.
Municípios buscam recursos para saneamento
Conforme Acácio, o Novo Marco Legal de Saneamento determina que os municípios adotem ações efetivas para atingir os objetivos previstos pela legislação. “A água está com sérios problemas em escala mundial. Como coordenador do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, tenho viajado muito e tenho visto in loco. O Rio Urucuia está seco; o Rio Paracatu tem média de dois metros de profundidade, mas está com 50 centímetros”, exemplifica Acácio. “A questão da água é muito séria, não tem que fazer política só no Dia da Água, precisamos de projetos estruturantes, educação e gestores que se sensibilizem pela causa.”
Apesar das dificuldades em implementar obras de tratamento de esgoto por conta do alto custo e a falta de verbas, de acordo com o coordenador do FMCBH, é possível que os municípios busquem recursos para melhorar o saneamento, como fez Olaria. Conforme Acácio, a cidade buscou o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) para construir uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE).
Em nota encaminhada à Tribuna, a Prefeitura de Olaria explicou que foi contemplada pelo Programa de Tratamento de Águas Residuárias (Protratar-Ceivap III) em 2020. O projeto prevê a execução de todas as redes coletoras e interceptoras do perímetro urbano da cidade, bem como da ETE. No total, a obra irá custar mais de R$ 5,3 milhões, sendo que cerca de R$ 3,4 milhões foram aportados pelo Ceivap, R$ 1 milhão pelo Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna e cerca de R$ 970 mil com recursos próprios do Município.
As obras tiveram início em 2022 e estão nas etapas finais. “Atualmente, 27% das ligações residenciais previstas já foram realizadas, e o funcionamento da ETE depende apenas da instalação da infraestrutura elétrica na área de implantação, o que será feito pelo Município. A Prefeitura prevê o início das operações ainda no primeiro semestre deste ano”, informou o Município. O Executivo também realizará uma licitação para serviços na infraestrutura da ETE, como calçamento e instalação de alambrados, que não irão comprometer o funcionamento do equipamento.
A cidade de Belmiro Braga também procurou recursos por meio de edital do Ceivap. Em 2023, o município foi contemplado para atualização do projeto do sistema de esgotamento sanitário. De acordo com o secretário de Meio Ambiente e coordenador municipal de Proteção e Defesa Civil de Belmiro Braga, Marcos Alan Cunha de Almeida, a cidade possui, desde 2014, o Plano Municipal de Saneamento Básico, cuja implementação vem ocorrendo por etapas, envolvendo manutenção, reformas e obras no sistema de drenagem pluvial. A atualização do projeto de esgotamento, que seria de 2012, também faz parte do plano municipal, pois possibilitará que a cidade consiga novos recursos voltados para o saneamento.
“Foi necessário pleitear a atualização para tornar o nosso projeto exequível, tendo em vista que a realidade do município mudou de 2012 para cá”, explica. “Com o projeto atualizado, pretendemos entrar no Protratar.”
Já a Prefeitura de Lima Duarte informou que também está em busca de recursos para executar projetos de engenharia, visando ao tratamento de esgoto na cidade, que destina os resíduos nos cursos d’água ou em fossas. A Administração municipal explicou que também precisa atualizar seu projeto de saneamento, considerando o lapso temporal e o crescimento da cidade. A proposta é implementar duas estações de tratamento de esgoto convencional, sendo que uma será para o Distrito de Manejo e Vila São Geraldo. A outra, para Ibitipoca, que já conta com um projeto com o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata de Minas Gerais.
De acordo com a Cesama, índice de tratamento de esgoto na cidade era de 7,14% em 2021 e atingiu o percentual de 41,63% no início de 2024 (Foto: Leonardo Costa/Arquivo TM)
‘Temos que fazer um planejamento a longo prazo’, diz especialista
Em um cenário ideal, o esgoto gerado pelas cidades deveria ser tratado e ter sua carga poluidora diminuída, de forma que ele pudesse retornar aos corpos hídricos. Entretanto, como destacado por Edgard Dias, professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, as obras de saneamento envolvem diferentes aspectos, desde a água, o esgoto, os resíduos sólidos e a drenagem fluvial, resultando em intervenções grandes e complexas. Desta forma, o cenário do tratamento de esgoto não é algo que se soluciona de forma rápida, devendo, então, existir um planejamento a longo prazo para tratar a questão.
“Diante das dificuldades intrínsecas dessas obras e também dos valores elevados, acaba que as companhias de saneamento, ou qualquer que seja o prestador de serviço responsável, dão prioridade para a água, que é a principal demanda da população. Então, é comum vermos serviços de abastecimento de água com índices melhores, enquanto os de coleta e, principalmente, de tratamento de esgoto, com índices piores em decorrência da relevância da água.”
O especialista cita, também, o Marco Legal de Saneamento, cujo prazo para que pelo menos 90% da população seja atendida com coleta e tratamento de esgoto se encerra em 2033, ou seja, em menos de dez anos, o que reforça a necessidade de mobilização acerca do tema. “Não é algo fácil, mas temos que tentar avançar na medida do possível”, diz. “Até menciono em sala de aula que a água que tomamos hoje, muito provavelmente, estava dentro da barriga de alguém há uns dias atrás, porque é cíclico. Então, o que fazemos no município ou deixamos de fazer, principalmente, vai afetar o município mais embaixo do rio.”
Por se tratar de um ciclo, como apontado pelo professor, o esgoto e a água se relacionam diretamente, de forma que o manejo sustentável de ambos tem impactos diretos em diferentes setores da sociedade.
“Se você pegar dados da Organização Mundial de Saúde, a cada R$ 1 que você investe em saneamento, você deixa de gastar R$ 4 em saúde pública. Então, é de fato um investimento. A qualidade da água implica em qualidade ambiental e implica em qualidade de vida. Se temos recursos hídricos com quantidade e com qualidade adequados, temos maior desenvolvimento social e econômico do município. E para ter qualidade da água, temos que ter, também, qualidade do sistema de coleta, abastecimento e tratamento de água potável, e também coleta, tratamento e disposição final dos esgotos sanitários”, afirma.
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