Tendência no TikTok influencia jovens a comprarem menos para serem mais felizes

Tendência no TikTok influencia jovens a comprarem menos para serem mais felizes
Tendência no TikTok influencia jovens a comprarem menos para serem mais felizes Foto: gpointstudio/iStockphoto
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Iniciativa surge como resposta à cultura da ostentação que ainda domina as redes sociais, e traz reflexões importantes sobre o consumismo desenfreado

O Tempo    Por Raphael Vidigal Aroeira

 

Uma nova tendência no TikTok tem chamado a atenção de especialistas e curiosos. Conhecida como “núcleo do subconsumo”, a prática que vem ganhando força entre os mais jovens desafia a cultura de consumo excessivo frequentemente promovida pelas redes sociais, e que acabou batizada de “ostentação”. Os influenciadores que aderem à nova tendência incentivam os seguidores a adotar um estilo de vida mais simples, focado nos prazeres do dia a dia. 

O educador mineiro Rubem Alves (1933-2014) gostava de citar um poema do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, que enumerava causas de felicidade baseadas em pequenas alegrias cotidianas: “de manhã, na modorra debaixo das cobertas, o quentinho do cobertor/ tomar banho, nadar um pouco”. Rubem concluía que era necessário “prestar atenção” a esse tipo de felicidade.

O psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça recorre a uma máxima do pensamento minimalista para apontar um caminho saudável, em que a felicidade não dependa, exclusivamente, de bens de consumo: “Gastar mais em experiências do que em objetos”. “Existem pesquisas conduzidas por psicólogos mostrando que a felicidade aparece quando temos experiências significativas e compartilhadas com pessoas com quem criamos uma conexão íntima. Além disso, sabe-se que riqueza ou consumo e status não produzem uma vida mais feliz”, pondera Rodrigo. 

O advogado Marcelo Braga, 68, concorda. Ele tem o hábito de repetir uma frase crítica sobre o apelo ao consumo: “A vontade de comprar é maior do que a vontade de ter”. Ou seja, depois de possuir o objeto, a pessoa já “não encontra mais o mesmo prazer”, e retorna àquele ciclo vicioso.

A farmacêutica Anna Carolina Pinheiro, 35, admite que tem dificuldades em aderir à ideia de que “vive melhor quem compra menos”, embora ela constate que o vício em consumo tampouco tem resolvido seus problemas. “É muita publicidade hoje em dia, oferecendo coisas pela internet, e quando aparece uma promoção de um produto que me interessa, aí é que eu compro mesmo, nem que tenha que parcelar no cartão de crédito”, diz Anna Carolina. 

Para o psicólogo Rodrigo Mendonça, o segredo para conciliar felicidade e consumo está em uma avaliação pessoal. “O importante não é simplesmente consumir menos, mas consumir o necessário e saber diferenciar o supérfluo do necessário. Em outras palavras, saber o que para cada pessoa é importante e significativo, e não viver uma vida de status, porém cheia de vazio”, avalia.

Mudança de comportamento

Rodrigo não tem dúvidas de que “o consumo exagerado é claramente um problema, e pode preencher vazios existenciais que mereciam ser preenchidos com experiências significativas, não com objetos comprados”. Ele, no entanto, não deixa de notar que “precisamos consumir para viver e conviver bem”. “Acontece que, frequentemente, as pessoas acreditam que necessitam de coisas que, na verdade, não necessitam, e gastam seu dinheiro e seu tempo para comprar coisas desnecessárias, que não acrescentam nada em sua vida, não as fazem mais alegres ou felizes”, constata. 

É justamente em contraste com a abundância de vídeos que exaltam o luxo e o consumo desenfreado, que o chamado “núcleo do subconsumo” convida a refletir sobre o que realmente é necessário para se viver bem, promovendo valores como sustentabilidade, autossuficiência e bem-estar emocional. “Os que querem uma vida não consumista precisam romper com o ciclo vicioso de comparação existente na sociedade e amplificado pelas redes sociais. É preciso se encontrar, não se perder nos outros”, sustenta Rodrigo. 

Ele pondera que “comparar-se com os outros é uma atitude comum na vida em sociedade”, mas, como tudo, precisa de limites e equilíbrio. “A comparação pode ser importante para se estabelecer consensos, regras de comportamento e estabilizar as relações sociais. Contudo, o exagero é um problema. As pessoas querem aparecer para os outros, e isso significa consumir muito e alcançar um certo status social. Acontece que esse consumismo e esse status podem vir acompanhados de um vazio existencial”, diagnostica o psicólogo.

A psicóloga Vanessa Teixeira traz um ponto interessante à discussão. “Não me parece à toa essa moda de consumo minimalista começar com influencers no TikTok nos Estados Unidos, um país extremamente consumista”, destaca. Segundo ela, “quanto mais a sociedade estiver apegada à noção de que os bens de consumo definem quem somos, mais intensa poderá ser a escolha pelo caminho do consumo excessivo, mas também mais intensa será a contrapartida”. 

“É como um jogo de forças num cabo de guerra, para vencer o time opositor, é preciso fazer mais força que ele”, compara Vanessa. A especialista afirma que o sucesso do consumismo em nossa sociedade está atrelado ao modelo de organização econômica e social adotado. “O mercado capitalista joga com a nossa fantasia de completude o tempo todo, nos levando a comprar cada vez mais aquilo que socialmente é colocado como um bem importante. E aí, a conclusão perigosa que chegamos é: preciso ter para ser”, alerta Vanessa. 

Consumismo confunde necessidade com vontade

A psicóloga Vanessa Teixeira observa que a lógica de associar consumismo a felicidade, posta em questão pela nova tendência no TikTok batizada de “núcleo do subconsumo” – e, em outras épocas, conhecida como “minimalismo” – tem a ver com uma mistura entre “as noções de necessidade, vontade e desejo”. Ela manifesta a sua tese através de um exemplo. 

“Quando sentimos fome, temos necessidade de alimento. Mas essa lógica não é natural para nós. Não é qualquer alimento que eu vou buscar para saciar minha fome, será o macarrão do restaurante da esquina, cujo gosto me lembra dos almoços de domingo na casa da minha avó italiana. Então, a necessidade de matar a fome se mistura com uma vontade de sentir aquele sabor e o desejo de reviver aqueles momentos importantes para mim. A comida fica associada a afetos. E assim fazemos com os demais objetos que temos à nossa disposição na cultura”, analisa Vanessa, para quem “o mercado capitalista percebeu isso e transformou em necessidade o que seria do campo da vontade ou do desejo, com a promessa de que o objeto de consumo nos levará a um estado de completude e felicidade”. 

Todavia, como “um produto não é capaz de nos completar”, o resultado é a necessidade infinita de mais e mais, traduzida, pelo capitalismo, como consumo desenfreado. “O mercado acaba criando um jogo de engodo ao ofertar objetos com o brilho da completude, que estão a um centímetro da nossa mão, basta pagar. Só que esses objetos são, na verdade, esvaziados dessa potência, e o mercado faz uso desse esvaziamento. O que é muito procurado hoje, rapidamente se torna obsoleto e será substituído por outro produto amanhã. Quanto mais eu compro, mais vazio sinto, por isso compro mais e mais”.

Segundo ela, a “tendência ao minimalismo de consumo é uma tentativa de resposta” a esse cenário, que “pode ser muito positiva porque acaba enxergando o outro muito mais do que o consumismo desenfreado, pois leva em conta até mesmo o lixo que estamos produzindo e deixando para as próximas gerações”. Mas, como tudo na vida, não existe uma resposta definitiva e única. “É preciso tomar cuidado para não irmos com muita sede ao pote no sentido de entender que esta é a fórmula da felicidade. Não precisamos abrir mão completamente de invenções incríveis que tivemos como produtos da nossa cultura”, finaliza Vanessa.