Por que estamos batendo tantos recordes de calor no mundo? Especialista explica

Por que estamos batendo tantos recordes de calor no mundo? Especialista explica
No Brasil, termômetros passaram dos 40°C no Rio de Janeiro Foto: Freepik/Banco de Imagens

Registros de agências meteorológicas apontam diversos recordes de temperatura global nos últimos anos; tendência é continuar crescendo

O Tempo    Por Raíssa Pedrosa

 

Quantas vezes você leu uma notícia sobre recorde de calor no Brasil e no mundo nos últimos meses? A percepção de que elas têm se tornado cada vez mais frequentes é real. Para se ter uma ideia, só em 2024, dois dias foram registrados como os mais quentes do mundo desde 1940, de acordo com os cálculos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF) - Programa Copernicus. Especialistas acreditam que recordes como esses vão continuar sendo registrados, se o mundo não trabalhar para reduzir o volume de CO2 na atmosfera.

Conforme dados do Copernicus, o recorde de temperatura média global diária mais recente foi atingido em 22 de julho de 2024, com 17,16°C. O dia seguinte, 23 de julho, fica praticamente empatado, com 17,15 ºC. Antes, o recorde global era de 6 de julho de 2023, com uma média de 17,08°C.

Além disso, 2024 por si só foi o ano mais quente da história do mundo desde 1950, sendo o primeiro ano que atingiu mais de 1,5°C acima do nível das temperaturas registradas no período pré-industrial, em 1850, quando os registros começaram. O valor de 1,5ºC acima do nível pré-industrial foi definido no Acordo de Paris, em 2015, como o máximo de aumento na temperatura aceitável para a humanidade.

Inclusive, o mundo vive uma sequência de 18 meses, dentro de um período de 19 meses, em que a temperatura média global do ar na superfície ficou mais de 1,5°C acima do nível pré-industrial (apenas julho de 2024 não ficou acima de 1,5°C). Janeiro de 2025 é o 18º mês dessa sequência, com uma temperatura de 1,75°C acima do nível pré-industrial. O primeiro mês do ano foi ainda o mais quente da história para um mês de janeiro desde 1991.

No Brasil, vivemos recentemente três ondas de calor desde o começo do ano, com registros de temperatura altíssimos. Em janeiro, a primeira onda de calor aconteceu entre os dias 17 e 23 e, a segunda, entre os dias 2 e 12 de fevereiro, ambas no Rio Grande do Sul. A mais recente, de 17 a 20 de fevereiro, no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, Goiás e Bahia.

No Rio de Janeiro, a temperatura ultrapassou os 40°C diversos dias seguidos. Na segunda-feira (17/2), a cidade chegou a 44°C, o dia mais quente registrado desde 2014. Em BH, o dia mais quente de 2025 até o momento foi 21 de janeiro, marcando 34,4°C.

Mas o que está acontecendo?

De acordo com o professor e coordenador do Centro Clima, da UFRJ, Emilio Lebre La Rovere, todos os eventos climáticos extremos vividos recentemente têm relação direta com a ação humana, em especial a queima de combustíveis fósseis. Ou seja, o uso de carvão mineral e seus derivados, o petróleo e todos os seus derivados, como o óleo diesel e a gasolina, o óleo combustível que movimenta as indústrias e o gás natural. 

“Todos esses combustíveis têm moléculas que têm átomos de carbono e de hidrogênio. E quando a gente queima, a combustão é feita com o ar. No ar tem oxigênio e, aí, o carbono desses combustíveis se associa ao oxigênio e gera CO2, o gás carbônico”, explica. O gás carbônico é um gás de efeito estufa.

“Quando eles se acumulam lá (na atmosfera), eles não constituem obstáculo para a radiação solar continuar entrando e aquecendo a superfície do planeta, mas eles formam uma barreira. Quando o planeta Terra se aquece e começa a irradiar calor de volta ao espaço sideral, esses gases retêm esse calor. E, aí, com isso, esse calor fica armazenado”, detalha. “E vai aquecendo a superfície da Terra, dos oceanos e, ao fazer isso, muda o padrão de nuvens, ao mudar o padrão de formação de nuvens, mudam as precipitações, as chuvas. E, com isso, nós temos um aumento na média da temperatura do planeta”, diz.

O professor revela que hoje a atmosfera tem uma concentração muito alta de CO2, que cresceu a partir da Revolução Industrial, quando as indústrias começaram a soltar gases na atmosfera. “Na época da formação da atmosfera, houve um fenômeno que chegou a uma concentração desse gás (CO2), mas muito pequena. A atmosfera é composta 78% por nitrogênio e 21% por oxigênio, ou seja, se você somar as duas já dá 99%. Mas nesse 1% que sobra, tinha uma concentração de gás de efeito estufa que é tão pequena que a gente nem fala em porcentagem. Eram 280 partes por milhão em volume, esse era o teor de CO2”, explica. Hoje, o CO2 já está em quase 450 partes por milhão. “É um aumento de quase 60%. O homem realmente está mudando a natureza”, diz Emilio. 

Qual a perspectiva de futuro?

O professor Emilio explica que essa “bagunça” no clima altera, por exemplo, as correntes oceânicas. “Tem correntes oceânicas que são de água quente, como a corrente do Golfo do México, que permite que o norte da Europa tenha um clima muito mais ameno do que o Canadá, que está na mesma latitude e tem 11 meses de inverno fortíssimo por ano”, compara. “Então, se, devido à mudança do clima, houver - como pode acontecer - um enfraquecimento dessa corrente, acontecerá que essa região do norte da Europa pode ficar mais fria. Então, é por isso que a gente não fala de aquecimento global apenas, a gente fala de mudança do clima”, pontua.

“A perspectiva futura é que só poderemos estabilizar a temperatura e fazer com que ela pare de crescer quando a gente tiver o que chamamos de emissões de gases de efeito estufa e líquidos zero, ou seja, o que a gente emitir para a atmosfera seja a mesma coisa que o crescimento de árvores, por exemplo”, sugere.

O especialista explica que as mudanças climáticas já tinham sido previstas pelos cientistas. “Infelizmente, vai continuar ocorrendo e se agravando, enquanto a gente não conseguir as emissões líquidas zero. Por isso, a convenção do clima das Nações Unidas, através do acordo de Paris, que foi firmado 10 anos atrás, colocou como objetivo que a gente consiga chegar a zero de emissão líquida em 2050”, lembra.

“A gente tem, primeiro, que diminuir o crescimento das emissões mundiais, compensar, estabilizar depois de crescer, e, aí, chegar a um número bem pequeno que seja um número igual ao que a gente consegue sequestrar de CO2 da atmosfera através do crescimento de vegetais”, sugere.

Até lá, como consequência das mudanças climáticas, o mundo continuará vivendo incêndios florestais, elevação do nível do mar, ondas de calor, tempestades tropicais mais fortes com inundações e enxurradas, entre outros fenômenos.

O calor no mundo

  • 2024 foi o ano mais quente desde 1850
  • janeiro de 2025 foi o mais quente para um mês de janeiro desde 1991
  • 22 e 23 julho de 2024 foram os dois dias de recorde de temperatura global desde 1940
  • 6 de julho de 2023, até então, detinha a marca do recorde de temperatura como o dia mais quente do mundo
  • janeiro de 2025 marca uma sequência de 18 meses (dentro dos últimos 19) com temperaturas médias 1,5ºC acima do nível pré-industrial