Polícia trabalha com duas hipóteses sobre desaparecimento de mulher na linha do trem

Polícia trabalha com duas hipóteses sobre desaparecimento de mulher na linha do trem
Daiana Aparecida Pimentel Borges está desaparecida há um mês; no dia 3 de abril, ela foi com o namorado procurar um cachorro que teria fugido, mas sumiu (Foto: Felipe Couri)
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Em entrevista exclusiva à Tribuna, delegada relata as principais linhas de investigação e descarta possível crime

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Por Pâmela Costa Tribuna de Minas 

A procura por um cachorro perdido teria levado um casal à linha férrea do Bairro de Lourdes na madrugada do dia 3 de abril. Enquanto buscavam o cão, um trem se aproximou. Dois impactos consecutivos foram sentidos na locomotiva operada por um maquinista e seu auxiliar. Após o acidente, porém, nenhuma vítima foi encontrada no local, o que levou a Polícia Civil a abrir um inquérito para apurar os fatos. Enquanto o homem, 42 anos, foi visto pelo vigilante da MRS Logística mancando sentido Bairro Vila Ideal após o acidente, a mulher, 40, permanece desaparecida desde então. A delegada responsável pela investigação do desaparecimento, Karen Hellen Esteves, considera o caso “um acidente atípico”. 

O episódio completou um mês na última sexta-feira (3). Desde então, Daiana Aparecida Pimentel Borges não foi mais vista. O homem, considerado uma das vítimas do acidente, apareceu dias depois e apresentou sua versão do ocorrido à polícia. De acordo com o depoimento prestado à delegada Karen Hellen Esteves, ele teria ficado com medo de ser considerado suspeito de ter atentado contra a vida da mulher, mesmo motivo pelo qual não retornou para a casa onde ele e a namorada moravam. 

Crime descartado

A delegada descarta a suspeita de um possível crime. “As investigações em relação a esse caso, em específico, não indicam que o acidente que estimou essa mulher seja em decorrência de desarmonia conjugal”, explica. “Inicialmente a gente até chegou a cogitar essa hipótese, mas as investigações atualmente indicam que ele não é suspeito.”

Isso porque o homem teria sido visto distante da mulher na linha do trem. O maquinista da locomotiva e seu auxiliar testemunharam que ele estava acenando para que ela saísse dos trilhos, com a proximidade do trem. Também foi descartado que ele pudesse ter colocado um corpo já sem vida nos trilhos ou qualquer hipótese neste sentido. Segundo o relato do companheiro da desaparecida, a mulher teria dito a ele que seu coração estava indicando que o cachorro, recém-adotado, estaria indo na direção da linha e, por isso, eles estavam no local.

Medida protetiva

Apesar de as investigações não indicarem violência no episódio do desaparecimento de Daiana, conforme apuração da reportagem, em mais de uma oportunidade a mulher registrou boletins de ocorrência denunciando supostas violências do parceiro, como lesão corporal e violência psicológica. No dia 15 de fevereiro deste ano, ela realizou um pedido de medida protetiva, que foi encaminhado à Justiça. 

Segundo a filha da mulher, a mãe teria retirado o pedido tempo depois. A Tribuna procurou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para pedir detalhes da medida protetiva, mas foi respondida que  “processos que envolvem violência contra a mulher tramitam em segredo de justiça.”

Ausência de vestígios

As investigações da Polícia Civil apuraram que o homem, que estava “sobre a passagem de pessoas na linha férrea”, também teria sido atingido pelo trem, em consonância com o que havia sido relatado pelo maquinista. Ele ficou com lesões bastante visíveis a olho nu, como roxeados extensos próximo às nádegas e também lesionou o pé”, esclarece a delegada Karen Hellen Esteves.

As marcas confirmam que o homem estava de costas para o trem e a lesão no pé também corrobora para ele ter saído mancando do local. Tais informações repassadas pela investigação da polícia são vislumbradas no laudo, que atesta sobre as feridas. 

O registro de desaparecimento de Daiana, que foi vista “sobre a linha de trem que passa por cima do Rio Paraibuna, no Km 272 + 806”, foi feito junto à Polícia Militar na tarde de terça-feira (9), seis dias após o acidente. Durante o andamento das investigações, o local foi sujeito a análise técnica da perícia.

Era a primeira vez, entretanto, que possíveis pistas seriam criteriosamente examinadas. No dia do acidente, o fato de “não haver vítimas nem sinais visíveis de vestígios no local” fez com que o delegado de plantão naquela manhã considerasse desnecessário enviar a perícia, de acordo com afirmação do Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), confeccionado na ocasião.

Quando a perícia foi ao local do possível atropelamento, dias depois, não foram encontrados sangue ou vestígios, seja de pele, cabelos ou mesmo de membros decepados. O único elemento que indica a presença da mulher ali, além das testemunhas, é um tênis, que foi reconhecido pela família como sendo dela.

As duas hipóteses da investigação

Os trabalhos de apuração que ainda estão em curso, de acordo com a delegada Karen Esteves, apontam que a mulher possa ter caído no Rio Paraibuna ao ser atingida pelo trem. Em decorrência disso, seu corpo pode ter ficado preso e submerso no local – o que cogitaria a hipótese de sua morte.

Por outro lado, não é certo que isso tenha de fato acontecido, o que abre brecha para a segunda hipótese. Neste caso, a ausência de vestígios de sangue indicariam que a mulher sobreviveu e foi embora, algo que já havia ocorrido antes, informou a delegada.

O que diz a família

Em conversa com a reportagem, a filha mais velha da vítima relatou que também acredita que a mãe esteja viva, mas que não tenha desaparecido por vontade própria, algo não confirmado pela investigação.

A filha confirmou, entretanto, que outro episódio de desaparecimento da mãe já havia ocorrido antes, mas teria durado apenas três dias. “Os dias vão passando e a esperança vai diminuindo. Nós sabemos que existe a possibilidade para várias coisas”, diz ela, que ainda teme um possível crime, possibilidade descartada pela Polícia Civil.

Eu não vou sossegar enquanto não acharem a minha mãe”, relata a filha, que afirma sentir-se desamparada, “sem a mãe e sem respostas”.

O acidente

Era por volta de 6h do dia 3 de abril quando um maquinista relatou ter sentido dois impactos consecutivos no vagão que conduzia, na linha férrea da Avenida Rivelle, no Bairro de Lourdes, na região Sudeste de Juiz de Fora. Ele também indicou ter visto duas pessoas. No local, porém, nenhuma vítima foi encontrada. 

O vigilante da MRS Logística, empresa responsável pelo transporte ferroviário, foi quem acionou a polícia. Eram 9h11 quando os militares registraram a ocorrência. Segundo o maquinista e seu auxiliar, eles faziam o trajeto sentido Vila Ideal para o Bairro Poço Rico quando observaram um homem e uma mulher, distantes cerca de 30 metros um do outro, sobre a passagem da linha férrea. 

O homem estaria “sobre a passagem de pessoas na linha férrea”, de costas para o vagão e acenava em direção à mulher, que estaria “sobre a linha de trem que passa por cima do Rio Paraibuna”. Enquanto isso o trem se aproximava. Buzina, farol, sino e freio de emergência foram acionados, mas eles continuavam ali. Foi nesse momento que o maquinista sentiu o primeiro impacto e posteriormente o segundo. Ao direcionarem o olhar para trás, onde as duas pessoas estavam, nenhuma foi vista. 

A Polícia Civil informou que a câmera do vagão estava desligada, o que tornou impossível ter acesso às imagens de segurança. Questionada pela reportagem, a MRS, porém, informou que não há câmeras neste trem.

Bombeiros fizeram buscas

A falta de sinais de possíveis vítimas fizeram com que o delegado de plantão naquele dia não acionasse a perícia técnica. Durante aquela quarta-feira, a equipe do Corpo de Bombeiros desempenhou buscas pela região do entorno e dentro do Rio Paraibuna, 

inclusive nas proximidades do Museu da Usina de Marmelos, às margens da Estrada União e Indústria. Segundo os Bombeiros, à época, a corporação fez contato com o Centro de Operações Policiais Militares para checar se algum desaparecimento havia sido registrado, mas àquela altura nada nesse sentido constava no sistema.

No dia seguinte, os trabalhos de buscas dos bombeiros foram suspensos por conta das circunstâncias e da falta de materialidades. Desde então não houve comunicados sobre a retomada das buscas no Rio Paraibuna.

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Local do acidente na linha do trem sobre o Rio Paraibuna (Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros)

Relacionamento conturbado

Embora o homem não seja considerado suspeito de envolvimento no desaparecimento da companheira, a Tribuna teve acesso a boletins de ocorrências confeccionados pela Polícia Militar que demonstraram uma relação conturbada. Tais episódios, todavia, não são pertinentes à investigação do desaparecimento, conforme a Polícia Civil.

No dia 30 de janeiro de 2024, uma denúncia anônima atendeu a uma ocorrência na residência do casal. Moradores próximos haviam escutado uma briga, e quando os militares chegaram, a mulher estava com um sangramento na altura dos seios. O homem narrou à PM que ela estava passando por uma fase difícil, motivo pelo qual a teria deixado ficar em sua residência.

Ele acrescentou que ela estava agressiva e depressiva, o que a levou a se automutilar. Na ocasião, a mulher também foi escutada pela polícia e confirmou a versão da autoflagelação. A ocorrência foi registrada pela Polícia como tentativa de autoextermínio. Exames médicos demonstraram que o ferimento atingiu o pulmão, causando pneumotórax.

Nova versão

No dia 1º de fevereiro, funcionários do hospital para onde Daiana havia sido levada acionaram a polícia, e outra versão dos fatos veio à tona. Na declaração da mulher, o companheiro teria ficado agressivo, começado uma série de ataques e desferido o golpe com a faca. Ela falou que não teria mencionado antes por ter medo de represálias.

 

Suspeito de coação, o homem foi preso em um registro de “violência psicológica”. Quanto à autoria da facada, ela o acusava de tê-la esfaqueado, e ele negava, dizendo que ela já teria tentado se matar antes.  A polícia, por sua vez, não conseguiu determinar quem falava a verdade.

‘Lesão corporal’

No dia 30 de março, outro Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) foi feito sobre brigas entre o casal e denominado de “lesão corporal”. A polícia realizava patrulhamento pela região quando viu o casal na rua. A mulher estaria “desorientada e com sangramento na cabeça”, e o homem ao seu lado. Em primeiro momento, a mulher contou à polícia que foi agredida pelo homem; depois, relatou já não saber o que havia acontecido.