Polícia Civil promove duas reconstituições de homicídio na Andradas

Polícia Civil promove duas reconstituições de homicídio na Andradas
(Foto: Arquivo Pessoal)
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Na próxima terça, mãe de morador assassinado apresentará sua versão; já na quarta, será a vez do vizinho militar que efetuou os disparos

Por Sandra Zanella Tribuna de Minas 

Polícia Civil vai realizar, na próxima semana, duas reconstituições do homicídio do funcionário público aposentado e skatista Daniel Carvalho de Andrade, de 45 anos, assassinado a tiros por um vizinho militar do Exército, 41, na noite de 17 de março, na área comum do prédio onde residia com a mãe, 73, na Avenida dos Andradas, no Morro da Glória, na região central de Juiz de Fora. O crime causou grande repercussão na cidade, levando a manifestações e abaixo-assinado com pedidos de justiça, promovidos por familiares e amigos da vítima, conhecida como “Daniel Monstro”.

De acordo com a titular da Delegacia Especializada de Homicídios e responsável pelo inquérito, Camila Miller, na terça-feira (9) a mãe do morador que perdeu a vida apresentará sua versão. Já na quarta, será a vez do 1º sargento do Exército que efetuou os disparos. Os trabalhos deverão acontecer no mesmo edifício da Andradas onde ocorreu o caso. “A reprodução simulada dos fatos, usada para esclarecer aspectos do crime, faz parte do trabalho investigativo e dos autos do inquérito policial. Detalhes sobre o procedimento e onde ocorrerá não serão passados para não prejudicar o andamento da atividade”, informa a assessoria da Polícia Civil.

Além da perda brutal de Daniel, que havia se aposentado por invalidez em decorrência de doença psiquiátrica, o caso causou revolta na família por ter sido retratado no Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) – o boletim de ocorrência – como motivado por violência doméstica entre a vítima e sua mãe. Na versão apresentada pelo militar, a idosa teria gritado por socorro, de dentro de sua residência, porque estaria sendo agredida por seu filho, o que é contestado pelos parentes. O suspeito, que residia no segundo andar, embaixo da vítima, alega ter disparado em legítima defesa porque Daniel teria “partido para o ataque” contra ele na área comum do prédio, enquanto ele estaria tentando ligar para a PM e o Samu.

No documento registrado pela Polícia Militar ainda são citados dois Reds anteriores como sendo casos violência doméstica de autoria da vítima. No entanto, na realidade, os referidos boletins haviam sido registrados pelo próprio sargento do Exército, que já teria tido desavenças com o vizinho. O militar alega ter sido alvo de ameaça e intimidação, em documento de 1º de setembro de 2023, e ter sofrido dano em sua porta com um chute, em 3 de janeiro deste ano. No decorrer das investigações, a delegada Camila não localizou histórico de agressões no contexto familiar envolvendo Daniel. “A PC não encontrou Reds de violência doméstica”, afirma.

A Tribuna questionou a 4ª Região da PM se foi instaurado algum procedimento para averiguar o equívoco no Reds sobre o homicídio, no qual foram citados dois registros como supostos casos de violência doméstica, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.Reconstituição

De acordo com o advogado da família da vítima, Heber Perotti Honori, a reconstituição do crime foi solicitada pelos parentes. “Pedi que seja feita de forma separada, entre a mãe da vítima e o acusado, porque ela não tem condições de estar presente no mesmo lugar que ele, por ter matado o filho na frente dela.” Segundo o advogado, há versões divergentes entre a mãe da vítima, “única testemunha ocular” e o militar. “Também existe uma versão parcial dos fatos por parte da esposa do acusado, porque ela acompanhou por trás da porta, através de uma janelinha. Ela não presenciou o momento dos disparos, só a mãe da vítima.”

O advogado criminalista Leandro César de Faria Gomes, que representa o militar, comenta que a reconstituição deverá “confrontar, justamente, as versões da mãe da vítima e do militar”. “Vai ser interessante para a verdade aparecer”, aposta. A defesa afirma, desde o primeiro momento, que o militar agiu em legítima defesa. O sargento chegou a ser preso em flagrante, ficou detido por dois dias em um quartel do Exército, e teve a liberdade provisória concedida pela justiça, respondendo ao inquérito em liberdade. Ainda conforme o advogado, a arma usada por seu cliente foi uma pistola 9mm, de uso particular e registrada. Ele também afirma que o militar possui tanto a posse, quanto o porte de arma. “Foram efetuados quatro disparos, e três atingiram a vítima.”

A Tribuna questionou o Exército Brasileiro sobre a atual situação do sargento na corporação e se foi instaurado algum procedimento interno, mas não houve resposta até a conclusão da reportagem.

“Estava todo ensanguentado e morreu na minha mão”

No perfil criado no Instagram “justicapordanielmonstro”, onde também está o link para o abaixo-assinado, familiares e amigos questionam o prazo para conclusão do inquérito pela Polícia Civil. No dia 25 de junho, quando o caso completou cem dias, uma postagem foi realizada cobrando a agilidade das investigações: “Estamos pedindo publicamente apenas a realização de um dos ritos essenciais para a transparência e resolução do caso.”

O irmão da vítima Danni Carvalho, 49 anos, desabafa que tem sido um período muito difícil. “Não somente pela falta que o Daniel faz em nossas vidas. Apesar da doença ter diminuído um pouco a convivência social dele, era ele quem fazia companhia para minha mãe, morava com ela e cuidava dela. Ela tem sofrido muito com a ausência dele.” Depois do ocorrido, o filho de Daniel, de 26 anos, retornou do Sul de Minas, onde estudava, para morar com a avó. “Meu pai, que tem 78 anos, também está muito triste e abatido. E meu outro irmão também. Estamos todos revoltados com a violência e a brutalidade que foi a morte do Daniel. Ele levou, ao menos, quatro tiros: dois no peito, um no abdômen e outro de raspão, fora outros disparados na direção dele.”

Quando Danni chegou ao local naquela noite, o irmão já estava baleado no chão. “Ele ainda estava vivo e fiquei do lado dele. Estava todo ensanguentado e morreu na minha mão”, recorda. “Temos forte convicção de que isso não deveria ter acontecido. A pessoa que matou não precisava ter agido dessa forma. Estamos agora na esperança da conclusão mais breve do inquérito e que seja feita justiça pelo meu irmão.” A família quer que seja esclarecida a verdade. “Minha mãe não tinha nenhum arranhão ou machucado aparente, para o atirador falar que meu irmão a estava agredindo. É muita tristeza e muita saudade. Já fizemos duas homenagens”, comenta ele, sobre um show e uma “skateata”.“Família está desolada com a demora”

O advogado da família da vítima, Heber Perotti, reforça que a “família está desolada com a demora”. “Nada justifica esse tempo tão grande para a tomada de diligências e de providências que solicitamos e que são necessárias para esclarecimento da verdade.” Ainda segundo ele, há vários pontos inconsistentes até o momento. “No mínimo, houve uma calúnia grave acusando a vítima de crimes de violência doméstica (Lei Maria da Penha) que não cometeu, registrados no boletim de ocorrência que abre o inquérito policial.”

Outros questionamentos são feitos em relação à quantidade de cápsulas apreendidas na arma usada no crime e sobre o porte de arma do sargento. “Também estamos buscando a comparação da arcada dentária da vítima com a lesão que o acusado apresentou no flagrante como sendo uma mordida. Pedimos a exumação do cadáver”, revela. O advogado ainda quer que seja levantado o histórico de ligações feitas pelo militar naquela noite. “A mãe da vítima alega que, no momento do confronto, ele não estava com celular na mão, como narrou em depoimento.” Outra questão, conforme o advogado, é relacionada à possível omissão de buracos de bala na parede do prédio no laudo pericial. “Estamos pedindo a complementação.”