Minas Gerais teve o mês de maio com mais acidentes de trânsito desde 2014
MG-30 é a via com mais batidas em Nova Lima, onde um caminhão e um ônibus colidiram nesta segunda
O Tempo Por Isabela Abalen e Matheus Oliveira
A cada hora, Minas Gerais registrou cerca de 33 acidentes de trânsito só no último mês. Foram 25.203 batidas em ruas, avenidas e estradas, índice que tornou esse mês de maio o mais perigoso da última década – a última vez que o Estado teve tantos acidentes neste período foi em maio de 2014. Os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) indicam uma escalada de riscos no trânsito que se tornaram rotina na vida dos mineiros, forçados a conviver com os impactos de horas de congestionamento, estragos nos veículos e alta dos preços dos produtos transportados. Quando não o pior dos fins: internações ou mortes.
Nos últimos quatro dias, dez acidentes foram notícia em O TEMPO, a maioria envolvendo mais de cinco veículos ou múltiplas vítimas. A rodovia MG-030, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, formou uma fila de 6 km de retenção, na manhã dessa segunda-feira (24 de junho), após uma colisão entre um ônibus e um caminhão que deixou 12 pessoas feridas. A pista é, inclusive, a que acumula maior número de acidentes em Nova Lima desde 2014 – com uma média de um registro por dia. A plataforma do Governo inclui todas as rodovias, inclusive as federais, e contabiliza registros da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e da própria Sejusp.
A escalada de casos assusta, mas é consequência da pior malha viária da região Sudeste somada a um aumento do fluxo de veículos nos últimos anos, segundo a análise de especialistas em trânsito. “Minas tem uma malha viária muito intensa, em que grande parte dela é pista simples. Existe um problema de tipografia: é um Estado com relevo acidentado, com muitas serras, e as rodovias são da década de 40, 50, do século passado”, analisa o especialista em trânsito Silvestre de Andrade. De fato, de acordo com a última Pesquisa CNT de Rodovias, de novembro de 2023, as rodovias mineiras têm a pior qualidade – de pavimentação, sinalização e geometria – comparada a todos os Estados da região Sudeste.
Nenhuma rodovia mineira, nem federal nem estadual, atingiu o patamar de qualidade máximo do ranking brasileiro, e cinco delas – MG-066, MG-653, BR-440, MG-676, e MG-114 – estão na lista das piores para se trafegar no país. Silvestre ressalta que a falta de investimento nas estradas atrasa a prevenção contra acidentes, e, todo ano, os indicadores aumentam ao invés de reduzir. “Ao contrário das pistas, que pararam no tempo, os veículos continuaram a evoluir e estão mais potentes. Esse descompasso da infraestrutura facilita a ocorrência de acidentes”, diz.
Entenda melhor: pior malha do Sudeste
Minas Gerais tem a pior malha rodoviária do Sudeste, conforme pesquisa realizada no ano passado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). Dos 15.605 km de estradas analisados no Estado, apenas 381 km foram considerados ótimos (2,4%). Outros 2.952 km foram classificados como bons (18,9%); 5.540 km, como regulares (35,6%); 5.429 km, como ruins (34,8%); e 1.303 km, como péssimos (8,3%).
O percentual de trechos "péssimos" em Minas, segundo o estudo, é oito vezes maior que o de São Paulo, onde apenas 0,1% da quilometragem analisada foi classificada dessa forma. No Espírito Santo, o índice sobe para 1,5%, e no Rio de Janeiro, para 2,7%.
Retorno à normalidade, no pós-pandemia, foi acentuado por economia aquecida
Outro fator que pode ter contribuído para o crescimento de ocorrências nas ruas, avenidas e estradas de Minas Gerais é o aumento do fluxo de veículos. Passada a emergência da pandemia da Covid-19, as vias voltaram a encher, estimuladas pelo aquecimento da economia. “Os volumes de tráfego têm aumentado muito. As pessoas voltaram às suas atividades normais e as ampliaram, então, trabalho, consulta médica, burocracias que são revolvidas presencialmente, tudo precisa de locomoção. A economia está voltando a crescer no país, o que gera, automaticamente, mais tráfego”, pondera Andrade.
Para se ter ideia, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), Belo Horizonte tem cerca de 200 mil veículos a mais que pessoas. “A taxa de desemprego vem caindo e as movimentações econômicas crescendo, isso tem impacto no trânsito. Então, como o fluxo nas vias aumenta consideravelmente, a probabilidade de ocorrer acidentes também vai crescer”, continua o especialista.
Impactos dos acidentes vão além: filas e quebras de rotinas
No engarrafamento na MG-030, em Nova Lima, na manhã desta segunda-feira (24 de junho), uma mulher grávida entrou em trabalho de parto em meio ao congestionamento de 6 km deixado pela batida. Conforme o Corpo de Bombeiros, a mulher foi assistida por um militar que também estava preso no trânsito. A ocorrência somou uma série de histórias de atrasos e incidentes.
Uma delas foi a da paciente de hemodiálise Acsa Ribeiro, de 33 anos, que precisou adiar o tratamento devido ao transtorno. Para ela, só de não ter se envolvido no acidente, foi lucro. "Sou de Raposos, estava no carro da prefeitura da cidade com outras pessoas. A gente viu tudo e, por sorte, nosso motorista conseguiu desviar e não bater também", contou.
O desfecho foi melhor que o que ocorreu com uma van contratada da prefeitura de Conselheiro Lafaiete, na região Central do Estado, na sexta-feira (21). O veículo, que transportava pacientes do interior para tratamento em BH, bateu contra um carro na BR-040, em Itabirito, e uma criança de 2 anos morreu.
De acordo com o especialista em trânsito Silvestre de Andrade, o cotidiano sempre será prejudicado pelos acidentes. “O prejuízo é relativo para cada um dos afetados. As rodovias também estão sendo usadas para atividades do dia a dia, enquanto os caminhões estão rodando mais. Quem vai ao trabalho, à escola, ao exame médico, vai ter algum tipo de perda. Às vezes, vai perder um dia todo de serviço. Alguém vai perder uma consulta médica que deixou marcada há quatro meses. Isso é um problema sério de mobilidade”, pontua.
Gastos na saúde
Os custos com os sinistros, quase sempre evitáveis, oneram os cofres públicos. O Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) estimou que, em 2024, Minas Gerais gastará mais de R$ 5 bilhões com prejuízos de acidentes. É uma projeção com base no número de mortes previstas: mais de 3 mil ao ano.
Conforme a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), entre 2015 e 2023, 31.290 pessoas morreram por acidentes de transporte terrestres, uma média de 9 por dia. Em 2023, foram 3.375 óbitos. "Um acidente de trânsito não afeta apenas a vítima e seus familiares, mas gera impactos sociais capazes de afetar a economia, principalmente nos casos de invalidez ou morte", analisa o ONSV.
Prejuízos para empresas e consumidores
Mas os prejuízos causados por rodovias em más condições vão além dos danos sofridos por vítimas de acidentes e dos atrasos amargados pelos motoristas. Atingem, também, os bolsos de empresas e consumidores, como afirma Sérgio Pedrosa, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetcemg).
Segundo Sérgio, o tempo maior gasto no transporte de mercadorias impacta diretamente no preço dos produtos. "Por exemplo, a velocidade média de uma viagem de Belo Horizonte a Ipatinga é de cerca de 35 km/h. Se a rodovia fosse de alta qualidade nesse trecho, subiria para 70 km/h. Portanto, dobra o custo do frete. Além disso, como a ocorrência de acidentes é muito alta, a previsibilidade de tempo de viagem é praticamente impossível de ser feita. Isso gera aumento nos custos de transporte, além de custos com acidentes materiais, ambientais e, o pior, vidas humanas", explica.
"Essa baixa produtividade também obriga toda a cadeia produtiva a trabalhar com estoques altos, o que a onera e aumenta o custo para o consumidor final. Temos uma rigorosa legislação trabalhista que regula a jornada de trabalho dos motoristas. Portanto, as condições ruins das estradas também aumentam o custo das empresas com os motoristas, em função da baixa produtividade", relata Sérgio.
A reportagem demandou o Estado de Minas Gerais sobre as políticas de melhoria da malha viária e prevenção de acidentes. A matéria será atualizada com a resposta.
Confira últimos acidentes noticiados em MG:
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