Cidade mineira suspende livro de Ziraldo em escolas após pressão de pais de alunos: 'Interpretações dúbias'
Decisão de Conselheiro Lafaiete, na Região Central do estado, sobre 'O Menino Marrom' gerou reações de professores.
Por Rafaela Mansur, Michele Marie, g1 Minas e TV Globo — Belo Horizonte
A Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, suspendeu atividades relacionadas ao livro "O menino marrom", de Ziraldo, nas escolas da cidade, após pressão de pais que consideraram o conteúdo da obra "agressivo".
O livro, de 1986, conta a história de dois amigos, um negro e um branco, que querem entender juntos as cores. Eles buscam saber o que é branco e o que é preto e se isso os torna diferentes. Para alguns pais, trechos do texto induzem crianças "a fazer maldade".
Em nota publicada nas redes sociais, a prefeitura disse que o livro de Ziraldo "é um recurso valioso na educação, pois promove discussões importantes sobre respeito às diferenças e igualdade" e "aborda de forma sensível e poética temas como diversidade racial, preconceito e amizade".
No entanto, "diante das diversas manifestações e divergência de opiniões", a Secretaria Municipal de Educação solicitou a suspensão temporária dos trabalhos realizados sobre a obra, "a fim de melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas".
"Lamentamos que tenham havido interpretações dúbias [...]. A Secretaria, em sua função de gestão e articulação entre escola e comunidade, compreende ser necessário momento de diálogo junto aos responsáveis para que não sejam estabelecidos pensamentos precipitados e depreciativos em relação às temáticas abordadas", declarou a prefeitura.
Para o escritor e dramaturgo José Carlos Aragão, a medida é uma "manifestação de censura a uma obra consagrada".
"A literatura não pode ser tomada como um código de conduta, de moral e bons costumes. [...] A literatura é arte, uma coisa que vai muito além disso. No máximo, um tema como esse pode ser tomado como um pretexto para um debate amplo e civilizado, que vai promover mais conhecimento", afirmou.
Reação
A decisão do Executivo gerou reações entre pais de alunos e docentes da rede municipal de ensino. Para a professora Marta Glória Barbosa, que dá aulas de português para o ensino médio, a medida é prejudicial para os estudantes.
"É preocupante. Sou professora de português, então, qualquer retirada de livro, para mim, é o cúmulo do absurdo. O livro é espetacular, escrito pelo Ziraldo, que é nosso. Não vejo nenhuma justificativa para essa suspensão", afirmou.
- Nas redes sociais da prefeitura, uma mulher comentou: "Não dá pra acreditar que em 2024 estamos censurando Ziraldo. Esse país está perdido mesmo", lamentou.
- Outra aprovou a medida: "Parabéns aos pais que se preocupam e acompanham de perto a educação de seus filhos", escreveu.
Ziraldo
Ziraldo em foto de arquivo. — Foto: TV GLOBO/CEDOC
O mineiro Ziraldo morreu no último abril, aos 91 anos.
Escritor, desenhista, chargista, caricaturista e jornalista, ele foi um dos fundadores, nos anos 1960, do jornal “O Pasquim”, um dos principais veículos de combate à ditadura militar no Brasil.
Em 1969, publicou seu primeiro livro infantil, "FLICTS". Em 1979, passou a se dedicar à literatura para crianças.
"O Menino Maluquinho" foi lançado em 1980 e é considerado um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro.
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