Bolo com escudos de clube de futebol configura crime de pirataria? Entenda

Bolo com escudos de clube de futebol configura crime de pirataria? Entenda
Luciana que trabalha com papel arroz, foi multada pelo Esporte Clube Bahia Foto: Arquivo Pessoal
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Em Minas Gerais, Luciana Aparecida Dias Costa, de 54 anos, que trabalha com papel arroz e topo de bolo desde 2014, foi multada pelo Esporte Clube Bahia

O Tempo Sports   Por Bárbara Ribeiro

 

O uso de símbolos de clubes de futebol em bolos personalizados virou tema de discussões no meio judicial após a confeiteira Daniela Oliveira, de São Paulo, relatar nas redes sociais que pequenos empreendedores estão sendo notificados por utilizarem escudos e mascotes em seus produtos sem autorização. Em Minas Gerais, Luciana Aparecida Dias Costa, de 54 anos, moradora de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, que trabalha com papel arroz e topo de bolo desde 2014, foi multada pelo Esporte Clube Bahia por comercializar produtos sem permissão, o que levantou debate sobre o tema violação de direitos de marca.

A situação não é exclusiva dos clubes de futebol. Personagens de filmes (princesas, piratas etc) e logotipos de empresas também estão envolvidos na questão. O uso não autorizado de qualquer símbolo protegido por direitos de marca configura violação de propriedade intelectual, além do crime de pirataria.

Segundo a Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (ABRAL), qualquer pessoa que queira usar o que é de propriedade de terceiros, seja marca ou personagem protegido por direito autoral,  precisa obter autorização formal. Isso vale tanto para grandes fábricas quanto para artesãos. No Brasil a entidade reúne cerca de 100 associados que vão de proprietários a empresas que licenciam as marcas até varejistas e prestadores de serviços. 

"A lei exige autorização para qualquer tipo de uso de propriedade intelectual. Se alguém utiliza uma marca ou personagem sem a devida autorização do titular da propriedade intelectual, isso configura uma violação da lei — ou seja, pirataria. Mesmo no caso de bolos personalizados, é necessário obter o licenciamento para utilizar qualquer propriedade intelectual de terceiros", pontua Márcio Costa de Menezes e Gonçalves, diretor jurídico da ABRAL.

Carolina Veludo, advogada especializada em propriedade intelectual, explica que isso ocorre porque os clubes detêm a exclusividade de suas marcas, protegida por legislações como as leis Pelé (Lei 9.615/1998), Geral do Esporte (Lei 14.597/2023) e de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996).

Conforme dados divulgados pela ABRAL no Fórum Nacional Contra a Pirataria e a ilegalidade, em 2023, o setor de material esportivos no Brasil teve perda de cerca de R$ 22 bilhões em função do comércio ilegal. O prejuízo foi de R$ 441,28 bilhões considerando 15 setores produtivos, que vão desde vestuário, bebidas alcoólicas, combustíveis, materiais escolares, higiene pessoal, defensivos agrícolas, ouro, TV por assinatura, óculos, cigarros, eletrônicos, brinquedos, dentre outros.

Penalizações para as confeiteiras

As confeiteiras que utilizam os símbolos de clubes sem autorização podem estar, sim, sujeitas a responderem ao crime de pirataria. O primeiro passo adotado pelos clubes, conforme explica a advogada Carolina Veludo, é o envio de notificações extrajudiciais, solicitando a interrupção imediata do uso não autorizado de imagens, escudos, mascotes e outros. Ignorar essas notificações pode levar à adoção de medidas judiciais, que podem levar até ao pagamento de indenizações por danos morais ou materiais.

Penalidades para quem usa símbolos de clubes sem autorização:

  • Notificações extrajudiciais solicitando a cessação do uso dos símbolos.
  • Ações judiciais, caso a notificação seja ignorada, incluindo pedidos de indenização.
  • Possibilidade de apreensão dos produtos que contenham os símbolos.
  • Multas e outras sanções civis e criminais.

Para evitar complicações, Carolina Veludo orienta que as confeiteiras busquem assessoria jurídica ao receber uma notificação extrajudicial e que entrem em contato diretamente com os clubes. "É fundamental que o profissional avalie o conteúdo da notificação e entenda as implicações legais do uso dos símbolos de clubes de futebol", ressalta a advogada.

Márcio Gonçalves, da ABRAL, sugere que "os pequenos artesãos garantam que estão comprando e utilizando produtos licenciados para decorar seus bolos. Assim, estarão agindo dentro da legalidade". Ele acrescenta que uma possibilidade seria que os clubes de futebol considerassem “a criação de um contrato de licenciamento específico para esses pequenos empreendedores, talvez com termos mais flexíveis. Isso poderia regularizar a situação e, ao mesmo tempo, gerar receitas para os clubes".

 Alternativas e soluções para confeiteiras

Existem caminhos para que as confeiteiras continuem a produzir bolos personalizados com temas de clubes de futebol. Uma das opções é o licenciamento de marca, que permite o uso legal dos símbolos mediante o pagamento de royalties ou outra forma de compensação. Esse tipo de contrato garante o uso seguro da propriedade intelectual dos clubes.

Em alguns casos, pode ser possível negociar licenças acessíveis ou até gratuitas com os clubes, especialmente para empreendedores que operam em pequena escala. "Há casos em que o licenciamento é feito de forma gratuita, principalmente quando o uso da marca pode ser visto como uma forma de divulgação positiva para o clube", explica a advogada Carolina Veludo.

Outra alternativa é o uso de elementos que remetam ao clube, mas que não infrinjam seus direitos de marca. As confeiteiras podem, por exemplo, utilizar as cores do time sem reproduzir os escudos ou logotipos oficiais, o que reduz os riscos de violação. 

Uso de símbolos e liberdade de expressão

Embora a legislação brasileira priorize a proteção dos direitos de marca, o uso de símbolos de clubes em situações festivas, como bolos de aniversário, o assunto pode suscitar discussões sobre o real impacto negativo dessa prática para os clubes.

Para Carolina Veludo, é importante ponderar se a rigidez na proteção dos direitos de marca em casos como esse não poderia afastar torcedores, especialmente crianças, que desejam celebrar seus aniversários com os símbolos de seus clubes favoritos. A adoção de medidas de licenciamento simplificadas ou até a flexibilização do uso em situações festivas pode, a longo prazo, fortalecer o vínculo emocional entre o clube e seus torcedores.

Cuidado com golpes

No dia 30 de setembro deste ano, a Polícia Civil de Minas Gerais realizou a operação "Verita Visus", que resultou na prisão de um homem de 30 anos e uma mulher de 26, suspeitos de extorsão, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A empresa deles, localizada em Santos Dumont, na Zona da Mata mineira, teria faturado cerca de R$ 4 milhões com crimes praticados em várias regiões do país.

Segundo a polícia, a empresa buscava perfis que vendiam produtos supostamente falsificados ou com violação de direitos intelectuais. Inicialmente, simulava-se interesse em comprar o item, e, em seguida, outro setor da empresa exigia pagamentos, alegando violação de direitos autorais. O valor cobrado variava conforme o número de seguidores do vendedor, e aqueles que se negavam a pagar tinham seus perfis denunciados e derrubados.

Entre as vítimas identificadas está uma artesã de Salvador (BA), que anunciou em seu perfil uma pequena caixa de papelão decorativa com o escudo do Esporte Clube Vitória vendida por R$ 1,60. A empresa exigiu que ela pagasse R$ 1.600 pelo uso do escudo, e, após a recusa, sua página foi removida da rede social.

Além das prisões, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na sede da empresa e na residência dos investigados. No local,  foram apreendidos computadores, celulares, notebooks e um veículo de luxo. As atividades da empresa foram suspensas, e as contas bancárias dos envolvidos foram bloqueadas. Os dois suspeitos foram encaminhados ao sistema prisional, onde permanecerão à disposição da Justiça.