Semente ‘plantada’ por Vini Jr. fora das quatro linhas pode se alastrar pelo mundo

Semente ‘plantada’ por Vini Jr. fora das quatro linhas pode se alastrar pelo mundo
Atacante Vinicius Junior está em ótima fase no Real Madrid e conseguiu vitória importante fora dos gramados Foto: Ina Fassbender/AFP
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Especialistas apontam que condenação de torcedores na Espanha deve servir de exemplo para outros países no combate à discriminação racial no futebol

O Tempo Sports     Por Rodrigo Rodrigues

 

Vinicius Junior venceu mais uma. Nesta temporada primorosa com a camisa do Real Madrid, que tem tudo para culminar com o prêmio Bola de Ouro, de melhor jogador do mundo, o atacante brasileiro talvez tenha alcançado o maior título da sua vida. “Não sou vítima de racismo. Sou algoz de racista”, define o fluminense de São Gonçalo, ao avaliar a condenação a oito meses de prisão de três torcedores do Valencia, autores de discriminação racial contra o atleta, durante partida no estádio Mestalla, em maio do ano passado.

A punição aplicada pela Justiça da Espanha é inédita naquele país e foi comemorada por diversas autoridades e setores da sociedade brasileira. Contudo, em sua própria casa, Vinicius já havia sido alvo de discriminação por pelo menos duas vezes, quando ainda defendia o Flamengo. Os agressores, porém, passaram ilesos e seguem impunes.

A decisão da Justiça espanhola proferida na segunda-feira (10) juridicamente não tem reflexo no Brasil, por se tratar de países diferentes, mas há a expectativa de que o caso impulsione e fortaleça o combate à discriminação racial em território nacional.

“De fato, a condenação na Espanha não tem repercussão jurídica imediata no Brasil. Por outro lado, há no direito o que se chama de ‘direito comparado’ ou ‘direito alienígena’, que é a utilização de precedentes de questões ocorridas em outros países como referência para a aplicação da lei no Brasil. Analisando por esse lado, temos, sim, um precedente que pode e deve ser levado para os tribunais, para os casos brasileiros", sustenta Gustavo Lopes Pires Souza, mestre em direito desportivo.

"Além disso, pelo tamanho que o Vinicius Júnior tem, pelo que ele representa no mundo, essa repercussão mostra que racismo não é brincadeira, que é crime. Será um grande exemplo para que outras pessoas pensem duas vezes antes de cometer o delito”, acrescenta o advogado. 

Avanço

Andrei Kampff, jornalista e advogado especializado em direito desportivo, tem entendimento semelhante ao do colega. Ele argumenta que a condenação na Espanha deve ser considerada mais uma conquista no avanço da proteção de direitos humanos no esporte na esfera estatal.

“O futebol avançou. Isso gera repercussão. O Brasil tem tipificado o crime de racismo e de injúria racial, a homofobia também foi equiparada ao crime de racismo no STF. Ou seja, temos caminhos legais para combater atitudes discriminatórias no país. Mesmo assim, é sempre importante levantar a voz e cobrar punição para a violação de direitos humanos. A participação de atletas ajuda nesse processo, como mostra o caso de Vini Júnior”, argumenta Kampff.

Embora o Brasil possua mecanismos legais para coibir e punir atos discriminatórios, bem como o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) tenha dispositivo para agir de igual forma, na prática, a impunidade ainda grassa por aqui, em relação a casos análogos ao ocorrido com o atacante do Real.

“A lei está aprovada, mas não pegou. No Brasil, não há histórico de prisão e condenação por causa de ofensa racial nos estádios”, pontua Marcelo Medeiros de Carvalho, fundador e diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol

 

Cumprir pena em liberdade

Mesmo condenados a oito meses de prisão, os três torcedores do Valencia que comentaram discriminação racial contra Vinicius Júnior não deverão cumprir a pena na cadeia. Isso porque são réus primários, e a sanção foi inferior a dois anos. Neste caso, a legislação espanhola permite que os culpados cumpram a sentença em liberdade. 

Os condenados também foram beneficiados por um acordo no qual eles reconheceram o crime e por terem pedido desculpas. Por isso, a pena que seria de um ano foi reduzida a oito meses.

A pena aos três torcedores também inclui o banimento de estádios de futebol por dois anos. Além disso, com essa condenação, os três agressores deixam de ser considerados réus primários pela Justiça da Espanha. 

Torcedores do Valencia durante o julgamento na Justiça da Espanha

 

Combate ao racismo passa pela conscientização 

Em maio deste ano, a Fifa anunciou um plano global de combate ao racismo no futebol e recomendou aos 211 países filiados que incorporem a seus códigos disciplinares dispositivos específicos para punir os casos com “sanções próprias e severas”. A entidade definiu cinco pilares para estruturar os trabalhos: regras e sanções, ação em campo, acusações criminais, educação e voz dos jogadores. 

Especialistas apontam que a punição é necessária, mas somente a “educação”, por meio da conscientização sistemática e contínua, será capaz de minar, gradativamente, o preconceito.

“O racismo não vai acabar só com punição. Trata-se de educação, conscientização, e os clubes têm um papel fundamental nisso. Porque, quando se fala por meio do futebol, as pessoas prestam atenção. A maioria dos clubes, porém, não está preocupada com isso. Agem de forma reativa, quando ocorre algum caso”, observa Marcelo Medeiros de Carvalho, fundador e diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

O advogado Gustavo Lopes Pires Souza, mestre em direito desportivo, considera a condenação imposta pela Justiça da Espanha contra os torcedores que ofenderam Vinicius Jr. um marco na luta internacional contra o racismo. “Não só no futebol, não só no esporte, mas como racismo estrutural que temos na sociedade”, define.

Entretanto, ele argumenta que a mudança passa pelo convencimento de que o racismo precisa ser extirpado do meio social. “Precisamos, realmente, educar as crianças, educar as pessoas para que não cometam esse crime”, opina.

Tolerância zero

Quando lançou o plano de combate ao racismo no futebol, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, foi duro: “Não podemos mais aceitar o que tem ocorrido. Nossa mensagem às pessoas que se comportam de forma racista é clara: não queremos vocês. Essas pessoas têm de ser excluídas, elas não fazem parte da nossa comunidade nem são parte do futebol”.

O governo brasileiro informou que tem trabalhado em cooperação com as autoridades da Espanha para coibir e reprimir atos e manifestações racistas, bem como para promover políticas de igualdade racial. Por meio de nota, afirmou: “O governo reitera seu repúdio a qualquer manifestação racista e continuará atuando pela proteção e pela promoção dos direitos humanos.”