Falta de atenção no trânsito motiva quase metade dos acidentes em Minas Gerais
Por dia, o Estado registrou 400 batidas evitáveis; atendimento às vítimas no Hospital João XXIII teve aumento de 22% no mesmo período
Por Luana Queiroz e Isabela Abalen O Tempo
Se não fosse pela distração no trânsito, o enfermeiro e socorrista Cristiano Alexis, de 40 anos, não teria sido atingido por um carro no cruzamento do bairro Nova Esperança, na região Noroeste de Belo Horizonte, nem ficado uma semana desacordado no hospital. “O casal no veículo se virou para trás para chamar atenção de crianças. Em questão de segundos, eles perderam a atenção no trânsito e bateram em mim”, relata ao recordar o trauma que marcou sua vida.
O caso de Cristiano é o mais comum entre as causas de acidentes em vias e rodovias de Minas Gerais: em 2024, 48,6% dos acidentes no Estado ocorreram por desatenção dos motoristas. O número equivale a 107.306 registros de janeiro a setembro, isto é, quase 400 acidentes evitáveis por dia. Os dados são da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Os motivos que desviam a atenção dos motoristas são vários, entre eles está o uso do celular e a atenção difusa.
Entre janeiro e setembro deste ano, Minas Gerais somou 220.424 acidentes de trânsito, o que representa um aumento de 12.720 acidentes (6%) comparado ao mesmo período do ano passado — em 2023, foram registrados 207.704 ocorrências do mesmo tipo. Para Cristiano, que foi arremessado contra um poste e precisou passar por fisioterapia para voltar a ter mobilidade no joelho, a confiança no trânsito nunca mais foi a mesma. “O carro atravessou direto, ultrapassando a placa de ‘Pare’. Não deu tempo de escapar, nem recebi socorro da família. Foi aí que aprendi a não confiar em placas ou sinalizações, mas ficar atento à movimentação dos motoristas”, lamenta. Ultrapassar o “Pare” é infração considerada gravíssima, conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Para o diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra, um fator que explica a falta de atenção estar no topo das causas de acidentes é a “síndrome do pensamento acelerado”. Ele diz que a sociedade atual está acostumada a um bombardeio constante de informações e estímulos, inclusive durante a direção.
“O uso do celular frequente passou a fazer parte da rotina na vida moderna das pessoas, e tem refletido no trânsito. As muitas colisões que acontecem poderiam ser evitadas, se a atenção no trânsito estivesse concentrada. A chance de acontecer uma colisão na traseira de um carro, atingir um pedestre, mudar de faixa sem querer e ferir um motociclista é muito grande quando a atenção do condutor está dividida entre a direção e o celular, por exemplo", explicou.
Coimbra reforça que a alteração da data de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que aumentou de cinco para dez anos em abril de 2021, também influenciou no aumento de acidentes de trânsito. Ele afirma que o critério ‘idade’ não deveria ser utilizado como parâmetro para a renovação. “Essa alteração mostrou um despreparo dos gestores, que têm todos os dados sobre acidentes e mortes e que sabiam que essa medida não poderia ser realizada. O interesse da decisão foi escuso (escondido) à sociedade, que idealizava somente a economia dos documentos renovados. Quando analiso o perfil comportamental de mortes durante acidentes, entendo que os jovens de 18 a 36 anos são os que mais morrem, portanto como eles podem ficar 10 anos sem uma avaliação médica competente?”, ressaltou o diretor.
- A Lei nº 14.071, que entrou em vigor em abril de 2021, prevê que a renovação da CNH varie de acordo com a idade do motorista, sendo:
Condutores de 18 a 49 anos: validade por 10 anos;
Condutores entre 50 e 69 anos: validade por 5 anos;
Condutores com 70 anos ou mais: validade por 3 anos;
Além do desvio de atenção do motorista no volante, a especialista em Segurança no Trânsito, Roberta Torres, considera o excesso de velocidade, a ingestão de álcool, e a falta de equipamentos de segurança obrigatórios — como o uso de cintos e cadeirinhas para crianças menores de 5 anos —, como influenciadores na alta de acidentes. “Esse aumento visto este ano é preocupante”, disse.
Hospital João XXIII recebe quase 30 vítimas de acidentes de trânsito por dia
O Hospital João XXIII, referência estadual no atendimento a vítimas de politraumatismos, informou que, de janeiro a setembro deste ano, já atendeu 8.044 vítimas, o que equivale a uma média de 29 pessoas por dia. Em comparação com o mesmo período do ano passado, quando 6.600 pacientes necessitaram de atendimento de urgência e emergência, o aumento foi de 22%, representando 1.444 casos a mais.
A médica e gerente do Complexo de Urgência e Emergência da Fhemig, rede que administra o hospital João XXIII, Daniela Fóscolo, ressaltou que a alta de acidentes é alarmante. Ela afirmou que a unidade hospitalar ainda prevê um crescimento de 30% até o final deste ano, o que pode totalizar 10.457 atendimentos. “Fazendo uma projeção simples, ainda esperamos um aumento, em cima dos números que já temos, de 30%. Confesso que estou bastante preocupada”, disse a médica.
Daniela Fóscolo explicou que além do impacto direto sofrido pela vítima no momento do acidente, outras esferas também são afetadas, como a família do paciente, o trabalho e a sociedade em geral. “Não é só o piloto que está envolvido, mas todo o contexto ao redor. O serviço de reabilitação, por exemplo, não consegue atender todas as vítimas devido à alta demanda. Assim, muitos pacientes acabam desenvolvendo lesões duradouras”, alertou.
Responsabilidade do Estado e propostas públicas
Roberta Torres explica que a responsabilidade de acidentes durante o trânsito não deveria ser unilateral, e sim dividida como acontece em países europeus. “É um direito nosso e dever dos órgãos públicos garantir um trânsito seguro, com pavimentações de qualidade e sinalizações adequadas. E mesmo que motoristas cometam algum erro durante a direção, ele não deveria pagar com a sua própria vida. O Governo gasta, em média, R$ 800 mil com cada acidente que ocorre apenas em rodovias mineiras. Esse valor poderia ser investido em áreas como educação e saúde no Estado, em vez de ser destinado à recuperação dos danos causados pelos acidentes”, acrescentou.
A reportagem procurou o Governo de Minas a respeito de políticas públicas sobre acidentes de trânsito e informou que, juntamente com a Sejusp, os órgãos têm promovido ações educativas e operações, no âmbito da Lei Seca, a fim de conscientizar os motoristas a respeito dos riscos e das implicações criminais em ingerir álcool e dirigir. Além disso, em nota, o Governo cita a campanha "Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida", que fiscaliza e combate o uso de álcool ao volante por meio de blitzes organizadas pelas Forças de Segurança, visando reduzir o número de acidentes de trânsito e as mortes nas vias e rodovias de Minas Gerais. (veja nota completa abaixo)
Ranking: as 10 principais causas de acidentes de trânsito em MG
- Falta de atenção - 107.306
- Má visibilidade - 11.867
- Não manter distância de segurança - 7.509
- Derrapagem - 6.256
- Desobedecer parada obrigatória - 6.197
- Animal na pista - 4.779
- Defeito de veículo - 4.618
- Defeito na via - 3.873
- Dirigir embriagado - 3.049
- Ultrapassagem forçada - 2.862
Fonte: Sejusp
O que diz o Governo de Minas Gerais na íntegra:
"O Governo de Minas tem implementado diversas políticas públicas para prevenir e conscientizar a população e os motoristas a respeito de um trânsito mais seguro para todos, em parceria com órgãos e entidades estaduais de trânsito e as Forças de Segurança do Estado. Durante a campanha "Maio Amarelo", por exemplo, a educação para o trânsito é abordada de maneira lúdica e didática.
A Coordenadoria Estadual de Gestão de Trânsito de Minas Gerais (CET-MG), em parceria com Forças de Segurança e outros órgãos, trabalha para a conscientização de diferentes públicos, incluindo as atividades realizadas na Transitolândia, além de seminários, mostras, apresentações teatrais e ações educativas em escolas.
O CET também permite que cidadãos, empresas e instituições de ensino possam solicitar palestras de conscientização no trânsito, por meio do site www.transito.mg.gov.br ou pelo e-mail educacaodetransito@transito.mg.gov.br.
Em outra frente de ação, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) desenvolve políticas educativas e operações integradas, no âmbito da Lei Seca, para conscientização dos motoristas a respeito dos riscos e das implicações criminais em ingerir álcool e dirigir. Entre as principais ações está a campanha "Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida", que fiscaliza e combate o uso de álcool ao volante por meio de blitzes organizadas pelas Forças de Segurança, visando reduzir o número de acidentes de trânsito e as mortes nas vias e rodovias de Minas Gerais."
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