Daltonismo não traz prejuízos significativos a pacientes com a condição

Daltonismo não traz prejuízos significativos a pacientes com a condição
EM GERAL condição é hereditária e afeta mais os homens (Foto: Freepik)
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Especialista explica sobre distúrbio que afeta a percepção de cores em cerca de oito milhões de brasileiros

Por Bernardo Marchiori Tribuna de Minas 

É comum, em debates com teor filosófico ou biológico, o questionamento sobre se todos os seres humanos enxergam da mesma forma, especialmente as cores. Comprovadamente, entretanto, a condição que de fato afeta o modo de ver de uma parcela da população e a diferencia das demais nesse quesito é o daltonismo. De acordo a última pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa de pessoas com essa condição na visão de cores no contexto global é de 350 milhões – cerca de 4% da população. No Brasil, a pesquisa indica oito milhões de brasileiros com a doença – incluindo este estagiário que vos escreve.

O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e médico responsável pelos setores de Retina e Vítreo e Neuroftalmologia do Hospital de Olhos de Juiz de Fora, Leonardo Provetti Cunha, explica que o daltonismo é uma condição que afeta a visão e interfere na percepção de cores. Além disso, no geral, é uma doença hereditária e que tem como característica a dificuldade para distinguir padrões de cores, como vermelho, verde e, com menos frequência, azul e amarelo.

“Para entender melhor a condição, é importante saber que os primatas evoluíram e são capazes de enxergar três padrões de cores básicas: vermelho, verde e azul. Todas as outras são combinações, em diferentes graus, destas três. Portanto, o paciente que apresenta daltonismo tem interferência na percepção de um destes padrões de cores.”

Conforme Leonardo, na parte interna e posterior dos olhos, fica uma estrutura especializada (um tecido), a retina. Ela é composta por diversas células, e as que têm a característica de transformar a luz que vem do meio ambiente como estímulo luminoso em impulso nervoso, que vai ser conduzido ao cérebro, são os fotorreceptores. Eles são de dois tipos: os cones, responsáveis pela visão de cores e localizados na porção central da visão; e os bastonetes, especializados na percepção de contraste, como de movimentos e as diferenças entre claro e escuro, por exemplo. No caso das cores, são os cones, que têm os padrões definidos como vermelho, azul e verde.

Ainda segundo dados relacionados à doença, enquanto ela atinge por volta de 8% dos homens (um a cada 12 ), apenas 0,4% das mulheres são daltônicas (uma a cada 200). “O daltonismo do tipo verde-vermelho é ligado ao cromossomo sexual X. Portanto, ele é transmitido hereditariamente. Os filhos do sexo masculino terão a condição e os sintomas – ou seja, apresentarão daltonismo – se herdarem este cromossomo afetado da mãe.

Já as mulheres precisam herdar tanto o cromossomo X materno afetado como o por parte de pai. Se for apenas um deles, ela terá a daltonismo, mas não apresentará sintomas. Por isso, é mais comum em homens”, esclarece o oftalmologia e professor. Leonardo ainda explica que há a condição causada pelo cromossomo 7, que interfere a visão das cores azul e amarelo, w pode afetar tanto o sexo masculino como o feminino sem diferença. Porém, é um tipo de anomalia muito mais raro.

Tipos

Como explica Leonardo, existem três tipos de deficiência de visão de cores relacionadas ao daltonismo. O primeiro é a protanopia, que é a diminuição ou ausência do pigmento vermelho sensível a ondas de comprimento mais longo. Nesse caso, a pessoa enxerga tons de bege, marrom, verde ou cinza. O segundo é a deuteranopia, ausência ou diminuição dos cones verdes sensíveis a ondas de comprimento médio. Na falta deles, o indivíduo enxerga tons marrom. O terceiro é a tritanopia, a dificuldade para enxergar ondas curtas, com diferentes tonalidades de azul e amarelo, que adquirem tons mais rosados. Este último é ligado ao cromossomo 7 – o mais raro.

Diagnóstico tende a ser tardio

O estudante de jornalismo na UFJF, Eduardo Justen, 22 anos, descobriu aos 12 que é daltônico. Ele relata que, quando era mais novo, tinha muita dificuldade para desenhar e colorir paisagens, principalmente árvores. “Até hoje tenho dificuldade em diferenciar o tronco e as folhas. Teve uma vez, em uma festa, que falei que o cabelo de uma pessoa era verde, mas na verdade ela era loira. Meus pais já desconfiavam, mas descobri mesmo em uma prova de inglês no colégio. Uma questão perguntava a cor da minha mesa. Falei com um amigo da cor que acreditava ser, mas ele negou e disse outra. Eu sabia o nome em inglês, mas não a resposta em si”, conta. Depois disso, durante a consulta com o oftalmologista, ele recebeu o diagnóstico de daltonismo.

Ele conta ter herdado a condição da família materna. “Minha avó e a irmã dela sempre falam que o pai delas, meu bisavô, sempre teve muita dificuldade em distinguir cores. Na época, ignoraram o fato, mas provavelmente era daltônico. Além disso, tenho um primo daltônico, que inclusive descobriu antes de mim. Ambos por parte de mãe.”

O diagnóstico muitas vezes pode só vir na vida adulta ou na adolescência, como no caso de Eduardo. Por isso a importante de consultar o oftalmologista caso haja desconfiança, destaca o médico Leonardo Provetti Cunha. Ele ressalta, também, que muitos casos às vezes são assintomáticos.

“É confundido ou negligenciado quando a criança está no período escolar, acreditando que ela tenha dificuldade de aprendizagem. Na verdade, ela confunde as cores não por deficiência cognitiva ou distúrbio para aprender, mas por não ser capaz de enxergá-las. Isso pode trazer consequências, mas é comum pessoas descobrirem que são daltônicas apenas quando adultas. Com isso, conseguem entender dificuldades que já tiveram, que precisaram se adaptar. Por isso, o ideal é realizar o rastreio na fase pré-escolar e escolar.”

De acordo com o profissional, há testes específicos de visão de cores. “O mais popular é o Teste de Ishihara, no qual avaliamos a capacidade de discriminação das cores e conseguimos descobrir se o paciente tem uma deficiência relacionada a elas”, explica.

EDUARDO JUSTEN foi diagnosticado com daltonismo apenas na adolescência

EDUARDO JUSTEN foi diagnosticado com a condição apenas na adolescência (Foto: Arquivo Pessoal)

Impacto no cotidiano

Para Eduardo Justen, a principal dificuldade trazida pela condição é em relação à luminosidade. “Um simples semáforo para atravessar a rua já é muito complicado. Tenho dificuldade em saber qual está aceso, se está verde ou vermelho. Isso sem falar em questões básicas, como jogar futebol. A cor dos uniformes ou coletes me confunde. Além disso, quando quero combinar minhas roupas, acabo errando e uso vestimentas de cores aleatórias. Também é difícil identificá-las nas comidas, então se estiver estragada, não vou saber. Uma vez, quase comi um presunto estragado por não enxergar direito. Até no meu corpo, se tiver algo com cor diferente, muitas vezes não identifico”, relata.

Mesmo assim, o estudante afirma que, particularmente, a condição não o incomoda. “Considero até um diferencial. Entendo as pessoas que têm dificuldade em lidar com isso, com medo de serem discriminadas. Mas para mim sempre foi tranquilo. Nunca fizeram muitas provocações e brincadeiras. Pelo contrário, desperta a curiosidade e me perguntam sobre. É divertido contar a experiência de ser daltônico. Às vezes irritam esses aspectos que atrapalham o cotidiano, mas dá para resolver”, confessa.

De acordo com o médico e professor Leonardo, o paciente que apresenta daltonismo pode levar uma vida normal e exercer a maioria das profissões. Entretanto, em alguns casos, existem limitações. Atividades profissionais como pintor, piloto de avião, geógrafo, algumas carreiras militares e policiais, entre outras, podem ser afetadas pela condição. “É ideal que o paciente daltônico procure profissões que se adéquem melhor ao seu perfil. Isso tudo depende, também, do grau de daltonismo. Se for em grau leve, a pessoa pode, de acordo com exigências, exercer a função sem problema algum.”

Médico oftalmologista fala sobre daltonismo

LEONARDO PROVETTI CUNHA é oftalmologista e professor da UFJF (foto: Arquivo Pessoal)

É possível tratar o daltonismo?

Em relação a possíveis tratamentos, Leonardo esclarece que não existem. “É importante enfatizar que, normalmente, a condição não causa prejuízos significativos. Entretanto, lentes de contato e óculos com filtros especiais podem ser utilizados para minimizar a deficiência na diferenciação de cores. Mas existe uma limitação na aplicação clínica. Elas precisam ser específicas para cada tipo de daltonismo. Para crianças, recursos de aprendizagem especializados, como treinamentos, podem ajudá-las a reconhecer padrões de cores.”

Eduardo conta que nunca tentou utilizar os óculos especiais. “Até é possível encontrar por valores mais acessíveis, mas não tive interesse ainda. Já utilizei alguns recursos para amenizar a condição, como aplicativos para identificar cores para trabalho e faculdade, além de pedir ajuda a pessoas próximas. Quando era pequeno, meus lápis de cor tinham identificações das cores adesivadas. Minha mãe sempre fez questão de marcar isso. Alguns jogos de videogame também possibilitam uma assistência para daltônicos, então uso em alguns específicos”, conta.

Leonardo alerta, por fim, que outras condições podem causar alteração na visão de cores, diferentes do daltonismo. “Nesses casos, na maioria das vezes, é possível tratar e prevenir. Por isso é importante reconhecer para um correto diagnóstico. Dentre elas, neurites ópticas, glaucoma e até catarata. Outras doenças, como retinopatia diabética, edema macular, retinose pigmentar e Doença de Stargardt podem estar relacionadas à alteração na visão de cores. Causas nutricionais, como deficiência de vitaminas – em especial B12 e A – e anemia perniciosa, bem como pacientes com histórico de cirurgia bariátrica e com doenças que atrapalham absorção de nutrientes no intestino podem ter a visão de cores comprometida. Quando reconhecidos e tratados, ela pode ser restabelecida, impedindo uma piora significativa”, conclui.