Santuário do Caraça: conheça a história do lugar construído há 250 anos em serra mineira

Santuário do Caraça: conheça a história do lugar construído há 250 anos em serra mineira
Localizado em Santa Bárbara e Catas Altas, Santuário do Caraça chama atenção pela imponência de sua construção entre as matas de Minas Gerais (Foto: Nereu Jr)
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Espaço fica entre as cidades de Santa Bárbara e Catas Altas e, depois de ser uma escola, funciona como hospedaria

Por Cecília Itaborahy Tribuna de Minas 

No dia 27 de junho, a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG) lançou a campanha “Inverno em Minas”. Quarenta jornalistas de todo o Brasil foram convidados a participar de circuitos por destinos mineiros que mesclam história, cultura e gastronomia. O intuito é divulgar lugares ainda pouco falados, principalmente no interior, e que já possuem infraestrutura para receber os turistas. A Tribuna fez o Território da Estrada Real, que passou pelo Santuário do Caraça, pelo distrito de Brumal e pelas cidades de Santa Bárbara, Catas Altas, Santana dos Montes e Tiradentes. Ao longo deste mês, o leitor do jornal poderá conferir dicas sobre o que fazer nesses lugares, além de conhecer suas histórias centenárias que, inclusive, contam a própria história de Minas Gerais. O primeiro destino é o Santuário do Caraça que, neste ano, completou 250 anos.

As cidades de Santa Bárbara e Catas Altas estão rodeadas pela Serra do Caraça: um trecho com os dois pontos mais altos da Serra do Espinhaço. Quem vê de fora talvez não dê conta da dimensão do que ela guarda: um santuário que é considerado uma das maravilhas da Estrada Real. Não poderia, pois, receber outro nome: Santuário do Caraça. Assim que se sobe a serra para chegar no lugar, é como um encantamento: aos poucos, em cerca de 20 minutos de subida, o prédio vai se apresentando imponente, no meio da mata e com trechos de água que cortam a estrada (em bom estado, inclusive). Imagine, então, como era olugar há 250 anos: ainda mais desconhecido e inexplorado. Bem na época em que Minas Gerais se anunciava como a terra do ouro: chamariz para qualquer um que queria, dentre outras coisas, uma vida boa, explorando aquelas terras douradas.

Santuário do Caraça: um achado

A história que envolve a descoberta do lugar é curiosa, e tem tudo a ver com a descoberta de Minas Gerais. Quem nos acompanhou nessa visita ao Santuário do Caraça foi o guia Luan Lima Ribeiro, que é quem conta toda essa história que, como fala, parece um filme. Não há, claro, fortes evidências da história. Mas é a mais próxima da realidade que se tem notícia. Por volta de 1752, houve um desentendimento entre a família Mendonça Távora e a Coroa Portuguesa, em Portugal. Isso porque uma mulher de um represente da burguesia teria sido alvo de um assédio cometido por um dos homens da Coroa. A família não quis deixar barato, e os homens se uniram para fazer um atentado contra a realeza. Deu errado. Eles acertaram apenas um ombro de um dos primos de Dom Pedro I. Revoltado, Marquês de Pombal ordenou que todos os 11 homens Mendonça Távora fossem caçados, presos e queimados em praça pública. Todos foram pegos. Ao abrir os caixões, no entanto, só encontraram dez corpos. Um deles teria fugido.

Trata-se de Carlos Mendonça Távora. Ele teria entrado em um navio sem saber seu destino, que era, então, as terras brasileiras, mais especificamente a Bahia. Para que não fosse descoberto, já que o Brasil ainda era colônia de Portugal, ele decidiu se caracterizar como um frei franciscano. Misturou-se, dessa forma, na Bahia, com o nome de Irmão Lourenço. Lá, descobriu que Diamantina fervia ouro. Com dois escravos, partiu para Minas, e, claro, conseguiu uma fortuna. Mas de lá também ficou sabendo do Caraça: um ambiente ainda desconhecido, mas que prometia. Ele foi para lá decidido a criar um santuário, em um dos fortes naturais. Como tinha dinheiro, comprou uma sesmaria e assim o fez, dando início ao surgimento do Santuário do Caraça.

A primeira ermida construída, por causa da época, era barroca e já tinha uma hospedagem. Ela ficou pronta em 1774 e, em 1775, realizou-se a primeira missa, já honrando Nossa Senhora Mãe dos Homens. O espaço ficou assim durante um bom tempo. Até que, antes de falecer, Irmão Lourenço escreveu uma carta em que dizia que, por conta dos pecados cometidos contra a Coroa, deixava o Caraça para os portugueses, com o intuito ainda de que aquele lugar se tornasse uma escola para meninos. Esse desejo só foi cumprido anos depois de sua morte: a Igreja passou a tomar conta e, além de hospedaria, tornou-se um colégio, que veio a ser o segundo maior do Brasil.

Caraça

Luan Lima Ribeiro, guia turístico, conta a história da relação entre a descoberta do ouro e a construção do Santuário do Caraça, idealizada pelo Irmão Lourenço e inaugurada há 250 anos (Foto: Cecília Itaborahy)

Do barroco ao neogótico

O que a Igreja fazia ali começou a chamar atenção e atrair ainda mais meninos. Aquela primeira ermida do Irmão Lourenço não comportava mais a quantidade de pessoas. Foi quando decidiram, então, aumentar a igreja que, de barroca, ganhou estilo neogótico, sendo considerada a primeira desse tipo no Brasil. Ela ficou pronta em 1833 e foi toda construída com matéria prima extraída da própria serra, já que era difícil chegar até lá transportando os materiais. Fazendo referência ao natural, a igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens chama atenção, além de ainda estar em perfeitas condições, pela forma como conversa com a natureza em exuberância. É possível ainda encontrar resquícios da ermida barroca no meio da neogótica. Um detalhe da porta em azul evidencia isso.

Mas, além disso, entrar na igreja é também um deslumbre. Cada detalhe do Santuário do Caraça é pensado, inclusive a igreja: as colunas que recriam as palmeiras do lado de fora, os quadros feitos por Mestre Ataíde, que morou por ali, os vitrais franceses, um órgão do Padre Boavida e, ainda, o corpo de São Pio Mártir. É interessante pensar que eles faziam de tudo para que os ambientes tivessem detalhes da natureza. Principalmente por entenderem que poderia ser perigoso desbravar aqueles ambientes. Mas, claro, além dos prédios, a beleza está também do lado de fora.

Tudo ali, inclusive os dormitórios que ainda são no estilo barroco, foram feitos em forma de forte, para proteger tanto dos homens quanto da natureza – o que torna tudo ainda mais interessante. É o encontro do estilos. Ali, várias obras foram feitas para aumentar cada vez mais o dormitório e receber mais meninos. Mas tudo ainda preservado, de forma a contar a história com o olhar. Apenas um dos espaços não foi preservado, um dos primeiros pontos que os turistas veem, o museu. Do lado dele, entre os fundos da igreja e a entrada dos dormitórios, uma ruína: o que sobrou de um incêndio que aconteceu em maio de 1968.

Caraça

Após um incêndio, parte da estrutura do Santuário do Caraça foi destruída (Foto: Nereu Jr)

O incêndio no Caraça

O Santuário do Caraça, por muito tempo, foi, de fato, uma escola. Importantes nomes da política brasileira passaram por li. Eram os meninos que cuidavam de muitas coisas e, um deles, fazendo uma encadernação de livros, esqueceu o fogareiro elétrico ligado, com um bastão de cola de couro de boi. A combinação ferveu, ebuliu, transbordou, entrou em contato com a corrente elétrica, e o fogo se alastrou rapidamente, principalmente por ser uma biblioteca. Mas só tempos depois um dos meninos viu e foi avisar os outros. Eles mesmos deram jeito de preservar a igreja: fazer com que o fogo se concentrasse nesse lugar. Ninguém se feriu. Pelo difícil acesso, os bombeiros chegaram de Belo Horizonte só às 10h do outro dia.

A biblioteca tinha cerca de 50 mil exemplares de livro. Dentre eles, obras com a letra original de Dom Pedro II, que visitava o lugar, além de um livro que data de antes do descobrimento do Brasil, de 1478. Metade foi salva pelos próprios estudantes. A outra metade foi, aos poucos, sendo recuperada pelo Santuário do Caraça. Atualmente, um museu foi construído dentro de uma das ruínas. Com visita agendada, é possível entrar e conhecer tanto os arquivos quanto o que ficou dessa história.