Os jovens estão bebendo menos álcool?
Se, por um lado, a preocupação deles é voltada para o medo de ‘dar vexame’, ser julgado ou se prejudicar no trabalho, elas tendem a temer pela segurança e a vulnerabilidade diante de casos de abuso e assédio
Por Pâmela Costa Tribuna de Minas
Ao contrário da tendência histórica de jovens beberem mais, a geração Z – composta por aqueles nascidos entre 1995 a 2010 – está promovendo uma mudança cultural, com a diminuição da ingestão excessiva de álcool pelos mais novos, conforme revela pesquisa do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA). O que chama atenção, entretanto, é a diferença entre as preocupações de homens e mulheres para a redução no consumo de álcool. Enquanto elas bebem menos por receio quanto à própria segurança, homens têm diminuído a quantidade por medo de “dar vexame”.
O fenômeno que remonta a abstenção ou diminuição do consumo de álcool excessivo entre os mais jovens segue uma tendência mundial e é motivo de esperança neste 20 de fevereiro, Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo. Isto porque, ainda que esse novo rumo tenha apanhado sentido, primeiramente, em países ditos desenvolvidos vem sendo incorporado também por brasileiros da geração Z. Os fatores dessa mudança de comportamento são inúmeros e os principais foram destacados por Mariana Thibes, coordenadora do Cisa e doutora em sociologia, em conversa com a Tribuna.
“Os últimos monitoramentos demonstram a queda (no consumo de álcool) entre pessoas na faixa de 18 a 24 anos. No começo, essa onda apareceu como relativa à pandemia, uma vez que o consumo parece atrelado a sociabilidade em todas as culturas, principalmente no Brasil”, explica a socióloga.
Com o distanciamento social e a quarentena, consumir bebidas alcoólicas em festas, comemorações e eventos foi forçadamente restrito.
Ela destaca também a preocupação dos mais jovens com questões relacionadas à saúde em geral. “Neste caso, em vista do Reino Unido, em específico, uma pesquisa recente expôs que a preocupação com o consumo de alimentos ultraprocessados e a diminuição no excesso de carboidratos e de álcool aparece vinculada a busca por uma vida com hábitos mais saudáveis.”
Há, contudo, uma particularidade proeminente neste cenário no que se refere às circunstâncias que fazem homens e mulheres jovens diminuírem o consumo de álcool. A afirmação é fruto da pesquisa qualitativa “Jovens e o beber com moderação no Brasil”, realizada pelo Ipec a pedido do CISA.
Se, por um lado, a preocupação deles é voltada para o medo de “dar vexame”, ser julgado ou se prejudicar no trabalho, elas tendem a temer pela segurança e a vulnerabilidade diante de casos de abuso e assédio. Em comum, no entanto, aparece o acesso à informação e a reflexão como um motor para a redução da bebida entre os mais jovens.
Da abstenção ao excesso de bebida alcoólica
A reflexão e o trauma foram um dos pivôs para Lucas Batalha, 20 anos, nunca ter se interessado em ingerir álcool. “Às vezes, eu até me divirto mais por estar com a cabeça no lugar e achar engraçado bastante coisa. O fator curtir está diretamente atrelado às companhias em si.”
O professor de Beach Tennis, natural de Visconde do Rio Branco, conta que, em uma viagem para Juiz de Fora, um motorista alcoolizado, que trafegava em sentido contrário ao da pista, colidiu com o carro em que ele e toda sua família estavam. À época com seis anos, o acidente deixou toda sua família internada por cerca de dois dias, algo que inevitavelmente o marcou.
“Quanto ao motorista, ele ficou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por bastante tempo. Desde esse dia, eu criei um trauma muito forte por bebida”, explica, à medida em que continua discorrendo sobre outros motivos que também o levaram à abstenção de bebidas alcoólicas. “Na minha família tem, inclusive, um histórico bastante negativo sobre o consumo alcoólico, tanto pelo vício quanto pelas próprias atitudes geradas, então foi uma coisa que nunca me encantou, assim como também não tive vontade de experimentar. Entendo pessoas que sabem controlar e ficam até mais simpáticas, mas, no geral, pra mim, não é bacana”, conclui.
No Panorama 2023 sobre álcool e saúde dos brasileiros feito pelo Cisa fica exposto que casos como o vivenciado por Lucas, em que motoristas embriagados se envolvem em acidentes, não são raros. O consumo excessivo de álcool aliado ao volante resulta em uma média de 1,2 óbitos por hora no Brasil. Isso significa 10.887 vidas foram perdidas por causa direta da associação entre álcool e trânsito.
A coordenadora do Cisa, responsável pelo estudo, observa, ainda, que a maior parte das vítimas desses acidentes são jovens. “Os mais velhos morrem por doenças crônicas, como cirrose e hipertensão, fatores a longo prazo. Por outro lado, os jovens têm sofrido mais a curto prazo, como em acidentes.” No mesmo relatório citado acima, a faixa etária entre 18 e 35 anos foi a que mais registrou mortes por acidentes de trânsito associados ao álcool. Isso equivale a 36,5% do total, sendo a maior parte (89% dos casos) tendo homens como vítimas fatais.
Redução do consumo reflete estruturação social
Vane Oliveira, 32, designer e baterista, decidiu reduzir o consumo de álcool por vivenciar de perto casos de alcoolismo na família, o que a fez se sentir propensa a usar a bebida como muleta em momentos de fragilidade. Mas não só isso.
Ela partilha também de outros receios, como a preocupação com a saúde e o cuidado necessário com o colesterol alto. Outro fator enumerado por Vane – que a levou à abstenção total do consumo durante a quaresma e a reduzir a posteriori – foi a espiritualidade. “Sou médium na umbanda e é importante fazer um uso mais moderado por ser mais sensível a algumas energias. Nesse contexto, o álcool pode acabar me expondo a coisas negativas.”
Como mulher LGBTQIA+, a apreensão quanto à segurança não ficou de fora. Nascida em Petrópolis, mas residindo em Juiz de Fora há dez anos, ela já experienciou situações de alerta em diferentes ambientes, conforme conta. “No último dia de carnaval em São Paulo, em 2020, eu bebi menos por ter medo de abordagens desrespeitosas comigo e minha namorada. Como ela tinha bebido um pouco mais, preferi não beber tanto pra ficar de olho”, comenta.
Na visão da socióloga, as motivações para a redução do consumo demonstram também um reflexo da estruturação da sociedade. “Mulheres com medo de sofrer assédio e violência, por parte de desconhecidos e de conhecidos, demonstram uma consciência clara das jovens sobre os lugares que elas ocupam. Do tanto que já foi conquistado e do que ainda se precisa conquistar.”
No caso de mulheres trans jovens, não há estudos estratificados sobre como essa população é atravessada por preocupações no que tange a diminuição do consumo de álcool. O que abre uma potencialidade para que novas pesquisas sejam feitas, uma vez que essas mulheres estão ainda mais sujeitas a diversas formas de violência no cotidiano, acena Mariana.
Outras gerações estão bebendo mais
Na contramão do que vem sendo feito pela Geração Z, as demais gerações estão bebendo mais. Em geral, o perfil de quem fica alcoolizado excessivamente é composto majoritariamente por homens escolarizados, o que, no Brasil, segundo observa a socióloga, está ligado às classes de maior poder aquisitivo.
Os mais jovens têm sido, então, uma exceção, pois o uso abusivo não tem diminuído na sociedade como um todo. Entre as mulheres, inclusive, o consumo tem aumentado, em todas as faixas etárias – embora continue inferior ao feito pelos homens. A causa disso estaria ligada ao fato de, cada vez mais, homens e mulheres participem dos mesmos espaços e, portanto, compartilhem hábitos em comum. “Com a maior igualdade de comportamento, espaços de trabalho e ambientes de sociabilidade, existe um crescimento da participação da mulher em todas as esfera sociais, nesse sentido, o consumo de álcool por elas também aumenta.”
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