Entenda o que é ‘beauty burnout’, que afeta mulheres na busca pela perfeição estética

Especialistas explicam quais são os sintomas e impactos do fenômeno que tem se tornado cada vez mais comum, inclusive nos consultórios
O Tempo Por Jéssica Malta
A dentista Manuela*, 25, perdeu a conta de quantas vezes acordou cedo para cumprir uma rotina de beleza que incluía uma infinidade de passos, principalmente no cuidado com a pele. Não por acaso, ela acabou diminuindo a frequência com a qual usava os produtos. “Eram muitas etapas para que no fim eu percebesse que havia pouca ou quase nenhuma diferença”, conta. Mas, segundo ela, essa diminuição não veio de uma vez só; antes disso, a sua rotina de cuidados passou a ser acompanhada de sintomas que incluíam cansaço, ansiedade e frustração. Tudo isso, segundo ela, sendo parte de uma busca exaustiva pela beleza.
A situação vivida pela dentista ganhou, recentemente, um nome: “beauty burnout”. O termo, cunhado pela revista britânica “Dazed”, é usado para definir uma busca por um padrão de beleza carregada de sintomas de esgotamento. A situação, porém, vai além do cansaço físico e emocional. Segundo a psicóloga Iris Simões, especializada no atendimento de mulheres, outros sinais indicam que alguém está passando pelo “beauty burnout”. Entre eles estão a ansiedade excessiva e o próprio distanciamento da rede de apoio. “Por exemplo, uma mulher que deixa ou evita sair devido à sua necessidade de se arrumar e ficar impecável. Essa pessoa pode não estar mais com energia para esse processo, mas também não consegue sair sem estar maquiada”, aponta.
A psicóloga e terapeuta Juliana Pereira, também especialista no atendimento e acompanhamento de mulheres, explica que o “beauty burnout” é causado justamente por uma busca constante, exaustiva e, muitas vezes, inatingível por padrões de beleza. “Entre os sintomas mais comuns estão ansiedade, queda de autoestima, sensação de insuficiência, cansaço crônico, irritabilidade, compulsões (alimentares ou relacionadas a procedimentos estéticos), além de um sentimento persistente de frustração. Em casos mais graves, pode evoluir para quadros depressivos”, lista.
Iris explica que, para além do próprio “beauty burnout”, uma busca incessante pela beleza também traz como impacto um looping infinito de sinais negativos, como uma constante necessidade de comparação com outras pessoas e o desenvolvimento de transtornos alimentares e corporais, entre eles a bulimia e a anorexia. “Além disso, essa busca pela perfeição pode resultar na perda de identidade, fazendo com que a pessoa perca a conexão com sua própria essência e dificulte a criação e o desenvolvimento de uma relação saudável com o próprio corpo”, afirma.
Juliana acrescenta que a desconexão com a própria identidade também faz com que a pessoa passe a se enxergar através de filtros reais ou simbólicos, passando a se sentir inadequada sem eles. “Isso compromete a autoestima, a autoconfiança e o senso de valor próprio. Além disso, a comparação constante com outras pessoas (especialmente nas redes sociais) ativa gatilhos de inferioridade, validação externa e até isolamento social”, diz.
Realidade nos consultórios
Embora tenha ganhado um nome apenas no início do ano, o “beauty burnout” também já é uma realidade percebida em consultório. É isso o que conta o dermatologista Lucas Miranda. “Observamos um número crescente de mulheres que chegam aos atendimentos demonstrando sinais de esgotamento emocional, muitas vezes relacionados à busca incessante por padrões estéticos inalcançáveis”, pontua ele, que é membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia e fundador de uma clínica que leva o seu nome.
Essa busca incessante é fruto de uma pressão estética que carrega também outras consequências, que incluem até mesmo uma procura indiscriminada por procedimentos estéticos – vale destacar que tomada de decisões financeiras arriscadas em função desses procedimentos também é um sintoma do “beauty burnout”. “Muitas pessoas jovens buscam iniciar protocolos preventivos precocemente, motivadas por tendências digitais, sem uma real necessidade. A orientação deve ser pautada por critérios técnicos e individualizados, considerando idade, características da pele e histórico familiar. Prevenção não significa antecipação sem critério, mas sim cuidado planejado, com foco na saúde e na longevidade da pele”, explica o biomédico Thiago Martins. Ignorar a pressão estética envolve coragem
Segundo a psicóloga Juliana Pereira, quando a busca pela beleza passa a gerar sofrimento, culpa, dívida, medo de envelhecer ou de “sair feia na câmera”, é um sinal de que algo ultrapassou o limite saudável. “Se a pessoa sente que não pode sair de casa sem maquiagem ou que precisa ‘corrigir’ seu rosto em toda selfie, não consegue postar um story ou vídeo sem passar por retoques de Photoshop, vale refletir se está buscando se sentir melhor consigo mesma ou tentando agradar um padrão externo”, pontua. “Sair desse ciclo envolve coragem. Coragem de se olhar com gentileza, de se desconstruir aos poucos e, acima de tudo, de buscar ajuda profissional. A beleza real começa quando a gente se sente inteira por dentro – e não quando nos encaixamos em um molde por fora”, afirma.
De acordo com a psicóloga Iris Simões, também é essencial entender que pensamentos depreciativos não são fruto de um mundo interior, mas sim questões construídas por estruturas que lucram com a insegurança das mulheres. “Desde a publicidade, que vende a perfeição inatingível, até o mercado de trabalho, que exige que as mulheres provem seu valor o tempo todo. A autora Naomi Wolf, no seu livro ‘O Mito da Beleza’, costuma dizer: ‘Uma cultura fixada na magreza não tem uma obsessão pela beleza, mas uma obsessão pela obediência feminina’. E isso é muito forte. Infelizmente, não existem dicas simples para a desconstrução da socialização feminina, mas, na psicoterapia, uma série de fatores é trabalhada, o que auxilia a mulher a reconhecer sua história. São feitos exercícios de autoimagem, desenvolvimento de autovalor e, principalmente, o resgate de si mesma, o que contribui muito nesse processo de aprender a se aceitar e lidar de maneira saudável com a pressão estética”.
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