Dermatologistas alertam para o fenômeno de crianças que adotam o skincare com produtos inadequados
Redes sociais podem influenciar a percepção de jovens sobre o próprio corpo e como isso pode afetar sua saúde física e mental precocemente
O Tempo Por Lorena K. Martins
Basta rolar o feed das redes sociais para perceber que a assumida devoção pelo skincare (“cuidado com a pele”, traduzido do inglês) de algumas influenciadoras digitais chegou ao mundo infantil. Produtos e dicas de cuidados com a pele e passo a passo de uma rotina de beleza estão sendo cada vez mais incentivados por crianças que a compartilham suas descobertas com fórmulas à base de ácido hialurônico, colágeno e retinol – produtos que deveriam passar longe da penteadeira de qualquer jovem de menos de 15 anos.
Dermatologistas alertam sobre um aumento dos casos de problemas derivados do uso indevido ou desordenado desses produtos e seus ativos na pele de crianças e jovens. “Embora seja ótimo ver os pequenos interessados em cuidados pessoais, é crucial entender os riscos. Produtos inadequados podem causar alergias, irritações e até problemas mais graves na pele sensível das crianças”, esclarece o dermatologista Damiê De Villa, do spa médico Kurotel.
No TikTok essas crianças são conhecidas como “Sephora kids” (“crianças Sephora”, traduzido do inglês, referindo-se a uma loja de produtos de beleza mundialmente conhecida). Trata-se de meninas na faixa etária de 8 a 12 anos que compartilham suas compras de maquiagem e produtos de tratamento para a pele do rosto. Muitas delas somam milhões de seguidores e incentivam o seu público, também infantil, a rotinas de cuidados para uma pele perfeita e um padrão de beleza ilusório. As lojas de cosméticos – como a própria Sephora, que batiza o termo – estão inundadas de crianças alucinadas com produtos que já fazem parte da sua rotina de cuidados corporais, mas de forma precoce. Muitas delas mostram o passo a passo de uma rotina cheia de produtos como uma etapa da arrumação para a escola, antes mesmo de colocarem o uniforme.
Para Damiê De Villa, o uso desenfreado também precisa passar por um controle por parte dos responsáveis. “A pressão para seguir tendências pode levar ao uso excessivo de produtos desnecessários. Pais e responsáveis devem ficar atentos e orientar seus filhos sobre a importância de consultar um médico dermatologista antes de usar qualquer produto”, alerta.
Ao contrário da falta de monitoramento existente nas redes sociais, quem orienta a filha Isabel Padilha, de apenas 11 anos, é a jornalista e apresentadora Cecília Padilha. Ela relata que tanto a filha quanto as amigas sempre pedem produtos de skincare como presente de aniversário e ainda há uma espécie de “produto da vez” entre elas, como gloss e protetor labial. “O que ela usa são produtos para limpar a pele e para tratar acne, que já começou a surgir. Quando ela faz limpeza de pele, é também junto com a dermatologista, que usa produtos adequados para a pele e idade dela”, relata Cecília.
A pequena Isabela Padilha e sua mãe Cecília Padilha: mãe apoia o auto-cuidado e monitora, junto à dermatologistas, os produtos adequados para a idade da filha
Hora certa
Médica dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Fernanda Bonaparte concorda com a ideia de cuidado e monitoramento pelos pais. Ela explica que o início da adolescência é um marco devido às alterações hormonais, mas a pele é mais sensível e reativa. “A pele geralmente enfrenta problemas como acne e oleosidade. Nessa idade, caso apresente essas queixas, o ideal é iniciar uma rotina básica de cuidados, como limpar, tonificar e hidratar a pele, além de usar protetor solar diariamente”, orienta. Para crianças, os produtos de skincare devem ser formulados especificamente para a pele sensível e delicada, sem fragrâncias ou sulfatos agressivos, e ser hipoalergênicos. “A exposição precoce a uma variedade de ingredientes químicos pode aumentar o risco de desenvolver alergias de contato, que podem persistir ao longo da vida”, salienta.
“Eu acho que o autocuidado é muito importante. Ela se preocupa com ela mesma, mas tem limite. Isso não é a prioridade do universo dela, afinal, ela brinca. Mas não repreendendo; quero que ela goste dela mesma e se cuide, em qualquer idade”, acredita Cecília Padilha.
Excesso de preocupação com aparência pode levar a transtornos
A consultora de moda e estilo Nina Lanza, mãe de Laura, de apenas 5 anos, orienta a filha sobre os produtos desde pequena e trata a maquiagem como uma brincadeira. “A criança tem acesso ao produto através do responsável. Acho que precisa entender o que é do universo da criança e o que não é. Muitos desses produtos que estão sendo divulgados não foram testados em peles infantis, então não sabemos os efeitos de fato”, opina. Damiê De Villa complementa que a pele das crianças é muito mais sensível e delicada do que a dos adultos. Por isso, é essencial escolher produtos específicos para a faixa etária delas. “Menos é mais quando se trata de cuidar da pele dos pequenos”, diz.
As consequências da busca precoce pela pele “perfeita” não são apenas físicas. Fernanda Bonaparte endossa sobre como as redes sociais podem influenciar a percepção de meninas sobre o próprio corpo e como isso pode afetar sua saúde física e mental precocemente. “O excesso de preocupação com a aparência e o uso inadequado de produtos podem levar a problemas de autoestima, ansiedade e transtornos relacionados à imagem corporal”, alerta a profissional.
Consequências
Alergias: Muitos produtos contêm ingredientes que podem desencadear reações alérgicas, causando desde coceiras até erupções cutâneas severas.
Irritações: Substâncias químicas agressivas podem irritar a pele, os olhos e até as vias respiratórias, provocando desconforto e problemas em longo prazo.
Desordens hormonais: Alguns compostos, como os disruptores endócrinos, podem interferir no sistema hormonal, afetando o desenvolvimento e a saúde geral. Por isso, é sempre importante consultar um médico dermatologista antes de aplicar qualquer produto na pele do seu filho.
Fonte: Damiê De Villa, médico dermatologista do Kurotel
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