‘170% do CDI’: ofertas atrativas de fintechs e bancos digitais oferecem risco aos clientes?

Ofertas de empresas como Nubank, 99 Pay e Pagbank miram pessoas que não são frequentes investidoras
O Tempo Por Raíssa Pedrosa
As fintechs e os bancos digitais têm apostado cada vez mais em estratégias para atrair novos clientes, e uma delas é a oferta de maior rentabilidade dos valores investidos. No caso de investimentos em renda fixa, por exemplo, é comum se deparar com anúncios de retornos de “aplicação no CDB com até 170% do CDI”. Atrativos que miram, principalmente, pessoas que não são frequentes investidoras e não estão inseridas no mercado financeiro de forma assídua. Mas qual o intuito dessas ofertas? E o que significa essa rentabilidade maior? É seguro investir?
Antes de tudo, é preciso entender o que é o CDI. Sigla de Certificado de Depósito Interbancário, CDI nada mais é que uma espécie de título emitido pelos bancos para regularizar os empréstimos feitos entre eles mesmos. A taxa que regula esses empréstimos é o que serve de “termômetro” para o mercado financeiro. Apesar de não ter como pessoas físicas investirem em CDI, a taxa do CDI serve de parâmetro de rentabilidade. O CDI é também atrelado à Selic, a taxa básica de juros. É por isso que dizem que, quando a Selic está alta, é um bom momento para investir em fundos atrelados ao CDI.
Já os CDBs são certificados de depósitos bancários - títulos de renda fixa emitidos por instituições financeiras e que contêm condições pré-estabelecidas. “Antes do investidor efetivar a aplicação, ele já sabe a data de vencimento e já sabe o rendimento, se vai ser pré-fixado ou pós-fixado”, explica o consultor de investimentos David Martins.
O especialista lembra que quem investe em CDBs tem, por trás, um seguro chamado FGC, que é o Fundo Garantidor de Crédito. “Todas as instituições financeiras participantes do mercado depositam um percentual nesse fundo e, caso uma empresa do sistema financeiro venha a quebrar, esse fundo vai cobrir os investidores. O FGC dá um seguro de até R$ 250 mil para quem faz investimento em CDBs”, explica David Martins.
“Nesse caso, o investidor tem esse colchão de segurança. Mas isso não significa risco zero. A própria necessidade do FGC já mostra que o risco existe, e ele é o risco de crédito. Ou seja, o risco de a instituição que está prometendo esse rendimento não conseguir pagar”, pondera o advogado especializado em bancos e fintechs da PGLaw, João Paulo Braune Guerra.
E onde entram as fintechs e os bancos digitais nessa história?
Alguns bancos digitais usam o FGC como garantidor desses rendimentos para seus clientes. O que traz certa segurança aos investimentos. É o caso do PagBank, por exemplo, que tem essa garantia. No site da financeira, há oferta de aplicação no CDB com 130% do CDI PagBank, disponível para clientes pessoa física e pessoa jurídica, com o limite máximo de aplicação até R$ 2 milhões para novos clientes ou clientes que não investem há mais de 6 meses.
"Além de render 130% do CDI, o CDB do PagBank permite resgates a qualquer momento sem perdas, tornando-o ideal para quem busca um investimento que se adapta às suas necessidades financeiras. Com a proteção do FGC, os investidores têm a tranquilidade de saber que seus recursos estão seguros", diz a fintech.
Já o Nubank oferece rendimentos de até 120% do CDI por meio do “Caixinha Turbo”. De acordo com a financeira, a Caixinha Turbo com 115% de rendimento é ativada por uma movimentação mensal na conta de R$ 900 e permite poupar até R$ 5 mil. O rendimento é válido por 31 dias e pode ser renovado ao fim do período com um novo aporte. Para clientes Nubank+ e Ultravioleta, o rendimento é de 120% do CDI com o limite de R$ 10 mil.
“A Caixinha Turbo é uma forma de fazer o dinheiro trabalhar a seu favor e render mais de um jeito simples e com controle total do cliente”, diz o Nubank. O investimento também tem garantia do FGC.
Mas e quando elas não têm garantia do FGC?
Já as que não têm garantia do FGC geralmente limitam o investimento. E essa oferta de maiores rendimentos geralmente está atrelada ao objetivo de aumentar sua participação no mercado e sua base de clientes, ofertando uma taxa superior para captar novos investidores. “Eles vão colocar um limite de R$ 5.000, R$ 10.000, e não vão pagar este retorno de 130%, 150%, 170% com aplicações ilimitadas e, sim, limitar por CPF o valor máximo a ser investido. Geralmente é assim que funciona. Até mesmo a data de vencimento em muitos casos acaba sendo mais curta”, explica David Martins.
O economista da Cimo Family Office, Caio Athié Teruel, explica que, com esses limites, a empresa consegue controlar os rendimentos pagos aos clientes. É muito mais um investimento em uma ação de marketing, que aplica uma espécie de brinde para quem abrir conta na instituição, por exemplo. “A gente está falando que a diferença de 170% do CDI para 100% do CDI, por um mês, é um valor de R$ 35, por exemplo. Então, para a empresa que está fazendo isso olha muito mais como um custo de captação. Eu vou pagar R$ 35 para adquirir novas contas, novos clientes”, exemplifica Caio.
Isso acontece muito nas chamadas carteiras digitais - que não são financeiras/bancos digitais. As financeiras oferecem conta corrente, poupança, investimentos, empréstimos, entre outros serviços regulamentados pelo Banco Central. Já as carteiras digitais, como o próprio nome diz, são carteiras virtuais em que o cliente pode guardar o dinheiro, salvar número do cartão de crédito e fazer transações, como compras online, de forma facilitada.
É o caso da carteira digital da 99Pay, que oferece várias bonificações que vão se somando. “Atualmente, a 99Pay conta digital da 99, oferece uma lucratividade automática de 110% do CDI para saldos de até R$ 5 mil. A conta da 99Pay bonifica diariamente, incluindo finais de semana e feriados”, diz a empresa. Desde março do ano passado, a 99Pay tem o “Acelerador de Lucros”, uma ferramenta de gamificação que permite um aumento temporário na lucratividade da carteira a partir da realização de “desafios” pelos usuários. A ferramenta turbina o dinheiro deixado na carteira por 30 dias.
E esses desafios incluem, por exemplo, cadastrar CPF como chave pix para ampliar bonificação em 20% do CDI. Para novos usuários, há outras bonificações, como pagamento de mais 40% do CDI para quem realiza a verificação de identidade completa na plataforma. Cumprindo essas etapas, a lucratividade chega a 170% do CDI, segundo a fintech.
Mas, então, vale a pena esse tipo de investimento? Veja o que os especialistas dizem
“Produtos que pagam acima do CDI não são ilegais nem necessariamente inseguros, mas implicam riscos proporcionais à rentabilidade prometida. Avaliar a natureza jurídica do instrumento, o enquadramento regulatório da instituição e a existência de garantias como o FGC é essencial para tomar uma decisão informada. Rentabilidade alta nunca vem totalmente livre de riscos”, pontua o advogado João Guerra.
"O rendimento é anunciado dessa maneira para criar uma percepção de um rendimento maior. Dizer que o rendimento é de 130% do CDI é o mesmo que dizer que o rendimento é de CDI+4%", destaca o diretor comercial Hurst Capital, Breno Reis. Hoje, a taxa anual do CDI está em 14,15%. Ou seja, se o produto rende 130% do CDI significa que rende 18,8%.
“Se um investidor quer realmente buscar retornos maiores e mais segurança, o melhor é diversificar seus investimentos de maneira inteligente, considerando os diferentes riscos e liquidez de cada classe de ativos”, acrescenta. “É isso que sugeriu Larry Fink, ao sugerir, em carta recente, uma mudança no portfólio de 60/40 em ações e títulos de dívida (renda fixa) para 50/30/20, sendo 20% em ativos do mercado privado (arte, ativos judiciais, crédito privado, imóveis, e royalties musicais, entre outros). Essa mensagem reforça a sugestão feita pelo J.P Morgan há meses atrás, que recomendou, para todos os perfis, uma diversificação com 30% em ativos alternativos”, cita.
“O investidor precisa ler as condições do produto, verificar se há proteção do FGC e entender se o dinheiro está, de fato, investido ou apenas sendo remunerado como um saldo promocional em conta digital”, acrescenta o analista da Ouro Preto Investimentos, Sidney Lima. “Se o objetivo for segurança e previsibilidade, especialmente para valores mais elevados ou reservas de emergência, o ideal é buscar CDBs, LCIs ou LCAs emitidos por bancos sólidos, com cobertura do FGC e boa liquidez”, sugere.
"Vale abrir uma conta nessa instituição para eu ganhar esse valor fixo? De repente, se você já estava pensando em abrir essa conta, pode ser uma oportunidade”, avalia Caio Teruel sobre os rendimentos limitados para novos clientes. “Acho que, talvez, o último conselho seja sempre tomar cuidado com coisas muito fora do padrão. É importante entender de onde vem o rendimento, né? Se não vier de uma campanha de marketing ou de um risco elevado, é algo suspeito”, finaliza.
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